“… os olhos do meu cliente encontram os meus, sem palavras e ainda assim, tanto é “falado” entre nós! Há o encontro de algo profundo dentro de mim com alguma coisa profunda dentro de outra pessoa. Nesse encontro no silêncio, uma fala autêntica pode acontecer, uma interpenetração e fusão de nossos espíritos humanos, que enriquecem a ambos, que nos torna inteiros.”
Rich Hycner

 

Cárita Barbosa Otoni Gonçalves Guedes[i]
Fernando Anastácio Dório[ii] 

RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar a relação terapêutica como algo fundamental no processo psicoterapêutico. A importância do desenvolvimento da relação terapêutica foi percebida no decorrer de vários atendimentos clínicos que foram feitos na Clínica de Psicologia Newton Paiva, durante o estágio curricular supervisionado pelo professor Fernando Dório. Contudo, o artigo irá apresentar as bases teóricas, sem a apresentação dos casos clínicos.  

Palavras-Chave: Autenticidade. Autoconhecimento. Base Dialógica. Eu-Tu. Eu-Isso. Relação Terapêutica. 

 

Este artigo tem como intuito apresentar a importância da relação terapêutica para o processo psicoterápico. É um tema que abrange muitos fundamentos que envolvem a psicologia, porém o foco principal do artigo será a apresentação dos principais embasamentos de uma relação terapêutica, de base dialógica, tais como, o “encontro”, o Eu-Tu, a autenticidade e o autoconhecimento. 

Um dos conceitos essenciais para a formação da relação terapêutica é a abordagem dialógica. De acordo com Hycner:

A psicoterapia dialógica define-se basicamente por uma abordagem, atitude ou postura em relação à existência humana em geral, e ao processo de psicoterapia em particular. É um “modo de ser”. Nunca poderá haver uma afirmação final e total na abordagem dialógica. Por sua própria natureza, é um processo em andamento, exigindo respostas únicas para situações únicas. No âmago dessa abordagem reside a crença de que a base última de nossa existência é relacional ou dialógica por natureza: somos todos fios de um tecido inter-humano.Isso não significa obscurecer a singularidade. Ao contrário, uma abordagem dialógica consagra a singularidade do indivíduo dentro do contexto do relacional […]. (HYCNER, 1995, p.31) 

É perceptível que é fundamental a relação que o indivíduo tem com outras pessoas e que é por meio dessa que ocorre a existência. No caso do psicoterapeuta, é de suma importância que compreenda o indivíduo e o contexto no qual está inserido, realizando, assim, o diálogo, sendo este não necessariamente a fala, mas o contato com o cliente. Para isso, se faz necessário estar presente no “entre”. Aquilo que nos une como seres humanos não é, necessariamente, o visível e o palpável, mas sim a dimensão invisível e impalpável “entre nós”. (HYCNER, 1995, p. 29). Portanto, o psicoterapeuta deve disponibilizar o espaço para que o cliente “entre”, ou seja, emerja na relação para questões do cliente, e somente assim começa uma relação terapêutica. 

Nos vários conceitos que a abordagem existencial-fenomenológica apresenta, existe um essencial para a formação da relação terapêutica, que é o Eu-Tu. Segundo Buber (citado por Hycner), 

A experiência Eu-Tu é estar tão plenamente presente quanto possível com o outro, com pouca finalidade ou objetivos direcionados para si mesmo. É uma experiência de apreciar a “alteridade”, a singularidade, a totalidade do outro, enquanto isso também acontece, simultaneamente, com a outra pessoa. É uma experiência mútua: é também uma experiência de valorizar profundamente, estar em relação com a pessoa, é uma experiência de “encontro” (BUBER citado por HYCNER, 1995, p. 33). 

A citação acima possibilita a reflexão sobre a necessidade que o cliente tem de sentir o terapeuta presente para compreender a sua experiência, é um “estar com”, ou seja, o “encontro” com o terapeuta não é simples e por acaso, mas algo construído, algo que tem como objetivo compreender a singularidade, a subjetividade do cliente, para assim auxiliá-lo. O cliente espera algo mais do que “desabafar”, ele deseja uma pessoa que não o julgue, que o compreenda, que tenha uma relação com ele, para assim dividir os seus mais obscuros e lindos sentimentos e vivências. “[…] não basta estar ao lado do outro, mas é necessário entrar na intimidade desse outro, participar da sua vida.” (BINSWANGER citado por GIOVANETTI, 2007, p.5).

Contudo, é necessário destacar a diferença entre participar e “dirigir” a vida de uma pessoa. É imprescindível que o terapeuta entenda as vivências do seu cliente, sem realizar escolhas para o mesmo, para, assim, auxiliá-lo no percurso da sua vida. “[…] podemos dizer que o terapeuta também se posta para servir o cliente, no sentido de que vai dispor de toda a sua inteligência e de toda a sua preparação profissional para ajudá-lo a se encontrar no seu modo de ser.” (GIOVANETTI, 2007, p.5). 

Logo, “a Psicoterapia Existencial procura cumprir seus objetivos de um relacionamento entre terapeuta e cliente que tem a feição de um verdadeiro “encontro humano” (RUDIO, 2001, p. 104). 

Para que o terapeuta realize este “encontro humano”, para que ele apóie o seu cliente e faça o seu papel com excelência, é necessário obter algo que a abordagem existencial-fenomenológica conceitua de autenticidade e também será essencial o desenvolvimento pessoal ou o autoconhecimento.   

Rudio conceitua o “ser autêntico” da seguinte forma: 

Autêntico é, portanto, o homem que elabora de modo consistente suas escolhas e decisões, que age coerentemente de acordo com as mesmas e que assume efetivamente a responsabilidade por aquilo que pratica (RUDIO, p. 94).

A autenticidade do terapeuta fará com que o cliente se implique no processo. Sendo essa autenticidade não apenas coerência, mas um estar com o cliente, estar ao lado dele na construção, desconstrução e reconstrução de suas escolhas, apresentando possibilidades na sua caminhada. Rudio nos apresenta isso de forma muito clara,  

O objetivo principal do terapeuta existencial, no seu “encontro” com cliente, é ajudá-lo a romper a solidão em que ele se encontra, tentar ser um companheiro solidário de sua caminhada pela vida, cooperar para que se abram para ele novos horizontes e para que possa adquirir determinadas qualidades humanas que são imprescindíveis para a elaboração de uma vida produtiva. A tarefa principal do terapeuta existencial no “encontro” é procurar compreender o seu cliente, não apenas no que ele manifesta diretamente por palavras e gestos, mas também no significado, nem sempre claro, que ele dá á vida e que se revela, de forma ampla, pelo seu próprio modo de ser e de agir  (RUDIO, 2001, p. 104 – 105). 

Acerca dos conceitos expostos e de tudo o que foi apresentando, é fundamental falar sobre o “desenvolvimento pessoal” ou o autoconhecimento, pois, sem esse, a autenticidade não seria construída. O autoconhecimento é de suma importância para que o terapeuta compreenda o seu modo de agir durante o atendimento clínico. Segundo Romero (1999), “o terapeuta precisa ter formação e um desenvolvimento de sua personalidade que supõe a internalização e o exercício de determinados saberes, que são os chamados saberes-atitudes do terapeuta”. 

Portanto, para obter o autoconhecimento, o terapeuta terá que realizar um desenvolvimento pessoal. A terapia, a autoanálise, auxilia muito neste processo. Entender o que faz parte do processo do cliente e o que não faz parte, não é uma tarefa fácil, mas torna-se possível, quando o terapeuta realiza uma escolha de estar com o cliente, de caminhar junto com ele e de se desenvolver para ter um resultado eficaz do seu trabalho psicológico. Ainda de acordo com Romero, 

o autoconhecimento é a chave mestra do desenvolvimento e do bem estar social; mas não qualquer grau de autoconhecimento, pois no sujeito menos esclarecido existe uma certa compreensão de sua realidade íntima. Desde o momento em que nos tornamos conscientes de nossa existência como indivíduos, ao redor do final da infância, e suposta uma capacidade intelectual normal, todos têm um saber básico do que lhes acontece. Este conhecimento elementar vai se tornando progressivamente mais rico e complexo no decorrer dos anos juvenis até alcançar um patamar satisfatório segundo seja o projeto de vida da pessoa, segundo as exigências que lhe impõe sua realidade social, seu ofício, seu status, sua instrução formal. […]. Precisa então de uma proposta de desenvolvimento para conseguir um patamar mais alto. É uma proposta deliberada, consciente e responsável, que exige da pessoa um esforço persistente e disciplinado (ROMERO, 1999, p. 44). 

Com tudo o que foi exposto, é essencial que o psicólogo invista no autoconhecimento, assim ele terá atitudes que não sejam pessoais na psicoterapia, é necessário também a separação do seu conceito de formação pessoal e o que de fato ocorre no atendimento ao seu cliente, somente assim, ele conseguirá atender, sem julgamentos e com compreensão das experiências de cada cliente. O autoconhecimento possibilita ao terapeuta a sensibilidade para com os problemas humanos subjetivos, ao invés de buscar a compreensão de condutas incomuns dos seus clientes. 

O tema Relação Terapêutica nos invoca a refletir sobre muitos âmbitos da psicologia, mas a finalidade deste artigo foi de expor a essência da relação, para assim obter um processo terapêutico eficaz. 

A liberdade de estar com o cliente, de apresentar que ele é fruto das suas próprias escolhas, de fazer com que ele veja que as possibilidades e escolhas estão diante dele, torna possível a construção de um processo, seja na clínica ou nas suas experiências de vida. 

O crescimento pessoal se torna possível quando nos colocamos abertos ao outro, portanto somos processo e fruto das nossas escolhas.  

 

REFERÊNCIAS 

GIOVANETTI, JP. A relação terapêutica na perspectiva fenomenológico-existencial. Belo Horizonte, Texto mimeografado, 2007, 14 p.

HYCNER, Richard & JACOBS, Lynne. A base Dialógica. In: Relação e cura em Gestalt-Terapia. São Paulo, 1995. 49 p. 

ROMERO, Emílio. Neogênese: o desenvolvimento pessoal mediante a psicoterapia. 2.ed. São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001. 361 p. 

RÚDIO, Franz Victor. Diálogo maiêutico e psicoterapia existencial. 2. ed. São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001. 136 p.


[i] Acadêmica do 10º período de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

[ii] Professor supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.

E3-12 Relação terapêutica: Um fator decisivo para o desenvolvimento psicoterapêutico.