Caroline Naiara Vieira Chaves Pinto[i]
Fernando Dório Anastácio[ii]
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise da compulsão como um mecanismo que surge para tamponar algum sofrimento ou angústia, bem como entender, a partir do estudo de um caso clínico, como os fenômenos presentes em uma vivência ritualizada são experienciadas pelo cliente. Para isso, utiliza-se como fundamentação teórica a Psicologia Existencial-fenomenológica.
Palavras-chave: Psicologia existencial; Compulsão; Sofrimento.
INTRODUÇÃO
A Psicologia Existencial considera, de acordo com Romero (2001), que o homem é um ser livre, que sempre tem a possibilidade de escolher, considerando os determinantes e as limitações. Ou seja, é uma liberdade de escolha dentre as opções que lhe são possíveis, incluindo o “não escolher”. Essa filosofia de liberdade convoca o homem à responsabilidade, pois cada indivíduo deve se responsabilizar pelas opções feitas e pelas consequências advindas dessas. Ainda de acordo com o mesmo autor, a psicologia existencial coloca a existência como prioridade em relação e essência, por entender que a visão essencialista pode rotular a pessoa, considerando que seus traços são determinantes e apontam para um diagnóstico categórico, que tende a enquadrar o indivíduo. Já o olhar existencialista acredita que é por meio da existência que o sujeito pode se construir. Os traços podem ser considerados coadjuvantes e suas potencialidades podem, ou não, ser desenvolvidas. Assim, o homem se configura aqui como um ser de possibilidades, responsável por suas escolhas e por sua construção no mundo. Os fenômenos que envolvem esse projeto vital devem ser considerados como parte da existência de cada indivíduo. “A Psicoterapia Existencial é fundamentalmente um modo prático de investigar a existência humana concreta, a fim de conhecê-la, compreendê-la e torná-la mais produtiva e satisfatória […]” (RUDIO, 2001, p. 88).
Diante disso, a Psicologia Existencial pode adotar o método fenomenológico para o processo psicoterapêutico. Esse método é caracterizado, de acordo com Rudio (2001), pela observação e compreensão do fenômeno vivido pelo cliente. “[…] é o mais apropriado para analisar e caracterizar a existência humana no que ela tem de mais original, como aquilo que nos afeta, nos compromete e nos incumbe de um modo inexorável […]” (ROMERO, 2001, p. 50). Os fenômenos falam por si só e mostram a forma como o sujeito vivencia suas experiências. No entanto, não implica na explicação ou interpretação da conduta ou da expressão de uma pessoa. Cabe ao indivíduo buscar o sentido para suas vivências. Deve-se compreender o fenômeno, o que para Privat (1992), significa perceber a intenção dele.
A partir dessas considerações, pretende-se compreender o modo de ser do homem por meio do relato e estudo de um atendimento clínico, considerando a abordagem Existencial-fenomenológico como o suporte para as intervenções.
Diogo tem 43 anos, apresenta como queixa uma compulsão, desde os 20 anos de idade, por ”pornografia”, que é descrito por ele como sendo se masturbar vendo revistas, filmes e sites pornográficos. Isso tem dificultado o seu desempenho no trabalho. Tais dificuldades o têm deixado frustrado, já que esse não consegue realizar o que tinha planejado para conquistar seus objetivos. Além disso, durante as sessões, o mesmo relata que a compulsão tem atrapalhado o seu convívio com sua filha e esposa, sendo que esta última sabe do seu problema, mas prefere não falar sobre o assunto. Diz ainda que tem uma vida sexual satisfatória com sua esposa, não percebendo assim a compulsão como uma forma de satisfação sexual biológica.
Inicialmente, o cliente relata ter dificuldade em realizar projetos profissionais, o que lhe traz frustração e tristeza. Relata que consegue colocar uma meta, porém, na hora de cumpri-la, ocupa-se da masturbação para não fazer o que havia planejado. Para o cliente, esse comportamento é uma fuga de algo que ele não sabe o que é e que ele não consegue controlar. Coloca ainda que o sentimento que tem é de que ele procura se fazer infeliz. Demonstra ser metódico e ter dificuldades em lidar com imprevistos ou situações diferentes daquelas anteriormente planejadas.
No decorrer dos atendimentos, Diogo demonstra dificuldade em lidar com o que não lhe parece lógico, que não tem uma resposta racional. Um exemplo dessa dificuldade é quando o cliente procura, durante as sessões, dar uma resposta para a sua compulsão. Indagações como “será que quero ser um coitado?”(sic) são vistas pelo cliente como irracional. “Como pode isso? Eu tenho capacidade, posso crescer, sei que posso e quero isso. Não tem lógica eu querer ficar como um coitado”(sic).
Tratando da sua relação com o seu grupo social, Diogo relata que os outros dizem que ele tem muitas qualidades, que é uma boa pessoa, porém ele não consegue perceber isso. Relata ter dificuldade de aceitar elogios, apesar de sempre dizer, durante as sessões, que é elogiado. Diz participar de projetos sociais ligados à sua igreja e se sente feliz com isso, mas “não sabe o porquê de, mesmo ficando feliz, às vezes para de fazer esses trabalhos. Diante desse questionamento, o cliente traz, a cada sessão, uma resposta para a compulsão. Porém, nenhuma delas consegue aliviar seu sofrimento por muito tempo, o que o frustra e o angustia. Mas é essa angústia que o move para a busca, não de uma resposta, mas de um sentido para suas experiências.
Com uma relação terapêutica já estabelecida, o cliente começa a se movimentar, o que possibilita intervenções que o ajudam a buscar sentido para sua compulsão. No entanto, o cliente insiste em uma racionalização daquilo que ele não consegue explicar a partir do uso do sentimento, do pessoal. Começa então a tratar seu problema como uma prática, já que para ele é incômodo tratá-lo como masturbação ou pornografia.
A queixa trazida por Diogo remete a uma questão existencial que o aflige, pois trata-se de experiências que, apesar de lhe proporcionarem prazer, são vivenciadas de forma sofrida. Além disso, o cliente não percebe a intenção desses atos.
Para Rodrigues (2008), compulsão, de acordo com a definição feita DSM[iii], envolve comportamentos repetitivos. “[…] Os comportamentos repetitivos e atos mentais têm, como finalidade prevenir ou reduzir experiências de ansiedade ou sofrimento […]” (RODRIGUES, 2008, p. 182). Ou seja, a compulsão aparece para tamponar algo que o cliente não “quer” mostrar.
No caso Diogo, tem-se um histórico de comportamento ritualizado, já que o cliente relata que ainda criança fazia uso de álcool com bastante frequência, que perdurou aproximadamente 10 anos. Posteriormente, ao abrir mão do álcool, começa a utilizar drogas ilícitas, o que dura por volta de 2 anos. Portanto, é possível perceber que os rituais sempre fizeram parte da vida do cliente, apesar do sofrimento sentido por ele. Isso leva a pensar que essa pode ser a forma que ele escolheu para se colocar no mundo.
Mesmo diante de outras possibilidades, o cliente não consegue se movimentar de forma diferente, levando a compulsão para o centro de suas vivências. Porém, para Diogo, se tornou impossível continuar com essas experiências intensas, que têm lhe trazido mais sofrimento do que prazer.
CONCLUSÃO
O processo terapêutico se desenvolve tendo em vista que o cliente consiga perceber o sentido da compulsão em sua vivência, bem como o que ela tenta tamponar. Diogo estabelece uma identificação positiva com a terapeuta, o que possibilita um vínculo terapêutico e um melhor desenvolvimento do processo.
São trabalhadas com Diogo questões voltadas para a sua responsabilização, bem como a forma com que ele lida com as relações afetivas em sua vida, trazendo suas reflexões para o nível dos sentimentos. Esse movimento possibilita um crescimento do cliente, que consegue perceber a pornografia como não sendo o mais importante, mas sim o que está por volta dela. Embora não seja nomeável, o cliente percebe que ele utiliza da pornografia para evitar algum desprazer maior, apesar de seus rituais sexuais e masturbatórios serem atos que lhe trazem angústia e sofrimento.
Foi possível, no decorrer das sessões, trabalhar para que Diogo tirasse o ato masturbatório do centro de suas relações e não buscar apenas remover os rituais, como queria a princípio, por meio de respostas lógicas. Além disso, o cliente consegue perceber que existem fatores não tão visíveis que envolvem a compulsão. Diogo consegue dizer das suas reflexões sobre sua vida, envolvendo e nomeando os sentimentos presentes, o que contribui para o seu desenvolvimento e de suas escolhas, de acordo com suas possibilidades.
REFERÊNCIAS
PRIVAT, Eduard. O que é fenomenologia? Uma metodologia da compreensão. 3. ed. São Paulo: Editora Moraes, 1992, cap. 3, p. 49-69.
RODRIGUES, Joelson Tavares. Compulsividade: a marca de um tempo? In: FEIJOO, Ana Maria Lopez de, et al. (Org.). Intervenções fenomenológico-existenciais para o sofrimento psíquico na atualidade. Rio de Janeiro: GdN editora, 2008, cap. 7, p. 182-201.
ROMERO, Emílio. As abordagens do psicopatológico e a questão do modelo epistêmico. In: ______. O inquilino do imaginário: as novas formas de alienação. 3. ed. São Paulo: Lemos Editorial, 2001, cap. 1, p. 11-38.
ROMERO, Emílio. O enfoque fenomenológico existencial em psicopatologia. In: ______. O inquilino do imaginário: asnovas formas de alienação. 3. ed. São Paulo: Lemos Editorial, 2001, cap. 2, p. 39-62.
RUDIO, Victor Franz. O que se entende por “Psicoterapia existencial?” In: ______. Dialogo maiêutico e psicoterapia existencial. São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001, cap. 1, p. 88-108.
[i] Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
[ii] Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
[iii] Manual Diagnóstico e Estatístico de transtornos mentais, publicado pela APA