“Sabemos que a adolescência, tomada enquanto trabalho psíquico a partir do excesso pulsional produzido pela puberdade e pelo novo encontro do sujeito com o Outro sexo e o Outro da cultura, por definição, tende a escapar a tudo a aquilo que está instituído. No campo da psicanálise, isto não poderia ser diferente.”

 Luciana Gageiro Coutinho, 2006.                                                                                                                            

Leziane Parré[i]
Fabrício Ribeiro[ii] 

RESUMO

 O presente artigo foi elaborado a partir da prática do Estágio de Interface entre Psicanálise e Direito, através do PAI-PJ – Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG. A presença do ato infracional na adolescência tem sido cada vez mais frequente na contemporaneidade. É cada vez maior o número de adolescentes que se envolvem no crime, como um apelo à Lei. O acompanhamento a partir da escuta e da oferta da palavra pode promover a reconstrução dos laços familiares e sociais, além de possibilitar o resgate da cidadania. Dessa forma, o adolescente pode construir novos caminhos que o permita fazer novos enlaçamentos; outra via, que não passe pela criminalidade.

 Palavras–chave: Adolescente.  Ato Infracional.  Acompanhamento.

               

A Clínica psicanalítica com adolescentes tem suas peculiaridades nas quais encontramos algumas considerações clínicas e teóricas pertinentes que merecem atenção especial, tais como: a demanda inicial ser do outro, as entrevistas preliminares e o trabalho com a transferência na adolescência, e a questão do acting out e da passagem ao ato nos sintomas dos adolescentes. Nessa clínica, na maioria das vezes, a demanda inicial por atendimento é do outro – pais, responsáveis legais ou instituição. Neste contexto, o início do trabalho consiste em dar voz para que o adolescente mude da posição de ser falado para o de ser falante, desconstruindo a demanda do outro e possibilitando a construção da demanda própria de cada sujeito. Essa demanda inicial do outro não é descartada, devido à presença que estes têm na vida do adolescente e o quanto o investimento desses no adolescente pode favorecer ou dificultar o processo, uma vez que é nesse contexto que os sujeitos adolescentes podem emergir.  

Especificamente no caso do adolescente em conflito com a lei, temos presentificada a saída pela via do crime. É sabido que através da inserção social o sujeito adolescente busca inscrever-se no campo do Outro, na cena social, o que exige a função mediadora da palavra. Quando nessa inserção o sujeito não encontra recursos simbólicos de expressão, podem surgir atos desregrados. O adolescente reinscreve-se no laço social, conferindo-lhe novas significações. Nessa operação, passa por uma atualização da cena da sedução, na qual ele faz a passagem do assujeitamento ao desejo do Outro – tematizado pelo desejo da mãe ou pela Lei do pai – para uma nova e poderosa versão do pai, a organização social; “uma versão desencarnada, mas ainda discurso, com seus ditos e não ditos”. (ROSA, 2004). Para Freud (1905), essa operação de separação dos pais, necessária para o adolescente inserir-se na comunidade social configura-se como a modificação mais importante dessa fase. 

Interrogar o sujeito sobre o sintoma apontado pelo discurso familiar e social possibilita a produção de sua própria versão a respeito daquilo que lhe aflige, bem como daquilo que provoca incômodo naqueles que o cercam. No momento em que o adolescente não consegue verbalizar seu mal-estar, onde falta-lhe a função mediadora da palavra, o único recurso encontrado pode ser o de traduzir em ato. “Enfim, quando falta significantes, surge uma conduta irruptiva. Diante do impossível a dizer, o sujeito traduz em ato.” (LACADÉE, 2007). No entanto, quando o adolescente pode falar por si próprio, pode se responsabilizar por seus atos. Por isso, é importante ofertar para o adolescente a possibilidade do resgate da palavra. Mais que isso, ofertar novos significantes para que esse sujeito reconstrua o laço social, inserindo-se no campo do Outro. Oferecer a possibilidade de tratar seu mal-estar pela via da palavra e não mais somente pelo ato, significa apostar que o sujeito possa inventar uma solução singular, encontrando um novo lugar para posicionar seu desejo e seu gozo, sustentando também sua posição subjetiva diante do Outro.

A presença do ato infracional na adolescência tem sido cada vez mais frequente. A adolescência é considerada um momento propício para crise, uma vez que é um momento de travessia, de reposicionamento. É ainda um momento em que a insuficiência da função paterna faz sintoma. Observa-se que na contemporaneidade a função paterna vem sofrendo um esvaziamento enquanto lei, enquanto aquela que possibilita a organização familiar, ou seja, há um declínio da função paterna. De acordo com Barros,

 […] a palavra do pai não é mais a palavra da lei, e o código substitui a soberania paterna pela materna, numa inversão que atesta a impossibilidade da isonomia de direitos. O declínio da paternidade no código reflete ao mesmo tempo que afeta, as relações da família moderna, cujos filhos provavelmente manifestarão os efeitos dessas transformações familiares em suas relações sociais e em sua relação com a lei. (BARROS, 2001: 05).                                                                                     

A Clínica atual tem nos mostrado o uso que cada um tem feito do Pai que constrói para si. Sintomas da contemporaneidade se multiplicam pela cidade denunciando a fragilidade das respostas subjetivas. Assim, aumenta a cada dia o número de adolescentes que se apresentam socialmente a partir do ato infracional, muitas vezes, transparecendo um apelo a Lei.  Acompanhar o adolescente na inscrição do agir no campo da palavra, só é possibilitado a partir da relação com o Outro, como apresentou Coutinho (2006), “…ao dizer de seus atos em nome próprio, o sujeito se situa diante do Outro, o que pouco a pouco permite uma reconstituição do campo do Outro, para além da busca por um olhar alienante através do agir.”  

A adolescência vista como o momento em que as amarrações entre simbólico, real e imaginário se afrouxam e devem ser refeitas, configura-se num estado limite do sujeito, dificultando um diagnóstico estrutural, mediante um estatuto do agir precário, típico dos adolescentes. Uma espécie de “curtocircuito” subjetivo evidenciado no agir. Em se tratando de adolescentes em cumprimento de medida de internação, a agitação da instituição também agita o sujeito adolescente que, escasso de recursos simbólicos de expressão para responder, respondeem ato. Uma resposta muitas vezes precipitada.  

O processo de acompanhamento do adolescente acontece numa cadeia incessante de questionamentos, constantemente renovada, uma vez que o sujeito nada sabe do significante que o determina, pois como aprendemos com Lacan, não há saber para o inconsciente. As questões do sujeito são sempre re-endereçadas de volta a ele, para que se abra a possibilidade de se pôr em questão aquilo do qual ele próprio vem fazer questão no acompanhamento. Ou seja, o próprio adolescente deverá construir um saber acerca do significante que o orienta. 

Assim, a partir da oferta da escuta e da palavra, os acompanhamentos promovem laços sociais mais fortes do adolescente com a família e com a sociedade, de maneira que este se posicione enquanto sujeito de desejo. Ou seja, quando queremos saber do sujeito, e não de seus atos, das normas, ele pode emergir com suas questões próprias. Cabe ressaltar que trabalhar com o adolescente nas medidas é trabalhar com a medida do Direito e, ao mesmo tempo com a medida singular, própria de cada sujeito. Ou seja, os critérios que determinam o cumprimento de uma medida, não necessariamente dizem respeito ao cumprimento da medida subjetiva de cada adolescente. Enfim, o cumprimento cronológico da medida não significa uma retificação subjetiva. Então, fica uma reflexão: O que significa cumprir uma medida? 

O acompanhamento psicológico do adolescente em conflito com a lei possibilita-o assumir sua posição de cidadão através da produção do seu próprio saber para circular na vida, além de possibilitar a construção de um saber capaz de orientá-lo sobre o fora de sentido, o fora da lei. Não há garantias de que o adolescente continuará sustentando sua posição após o término de sua medida, uma vez que é sabido que toda aposta no sujeito constitui-se num risco, porém, é preciso apostar nesse sujeito que está implicado em seu projeto singular. A partir da palavra e da responsabilização subjetiva apostamos que é possível conduzir o adolescente a fazer escolhas orientadas pelo seu desejo; único meio pelo qual o sujeito pode reivindicar seu eu e traçar uma outra história.

   

REFERÊNCIAS 

BARROS, Fernanda Otoni de. Do Direito ao Pai. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, Del Rey, 2001. 

COUTINHO, L.G. Pensando sobre as especificidades da clínica psicanalítica com adolescentes. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology on line. <http://www.psicopatologiafundamental.org/?s=79>Vol. 6 (2), nov. 2006. 

FREUD, S. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905]. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2002. 

LACADÉE, P. O risco do adolescente. Estado de Minas. Belo Horizonte, 16 jun. 2007. Caderno Pensar 3. 

ROSA, M. D. O discurso da violência e suas implicações para o adolescente. Faces da Violência. Correio da APPOA, Porto Alegre, 2004. v. 126, n. ano XI, p. 23-28.


[i] Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

[ii] Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

E2- 80 Acompanhamento psicológico de adolescentes em conflito com a lei: o adolescente e sua medida