Thiago Edmundo dos Santos[i]
Catarina Angélica Santos[ii]

RESUMO

 

Este artigo busca articular fragmentos de um caso clínico à escrita de uma experiência analítica ocorrida em um trabalho de estágio. A demanda de análise da paciente culminou no giro discursivo da mesma, fazendo uma mudança em sua posição subjetiva diante do Outro.

 Palavras-chave:Sintoma analítico. Fantasia. Criança.

 

O trabalho desenvolvido no estágio clínico, com ênfase em psicanálise, da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, é a porta de entrada para os estudantes de psicologia que se interessam por essa clínica e que desejam acolher sujeitos com sofrimentos psíquicos. 

Foi através das entrevistas preliminares que iniciamos o atendimento de Helena, 39 anos, vendedora, solteira e filha caçula de uma numerosa família de oito irmãos, sendo em sua maioria mulheres. Ela e sua família passam por um momento difícil, pois sua mãe faleceu há quatro meses deixando-a órfã de pai e mãe – o pai dela já havia falecido há mais de dez anos.  

Nos atendimentos seguintes, a analisanda não fala sobre a morte dos pais, mas sim sobre a difícil relação que tem com seu namorado. Ele tem 25 anos, é negro e tem uma situação financeira inferior à dela. Comenta que o namorado pega muito no seu pé, liga várias vezes e está sempre com ela para atender aos seus pedidos. Helena considera que o namorado a sufoca por estar tão presente em sua vida. Conta, ainda, que suas irmãs reparam as diferenças existentes entre ela e o namorado, falam mal dele e dizem que ele parece não ter outras ocupações na vida a não ser ficar sempre com Helena. No final das sessões a analisanda sempre repete que tem sonhos com os pais juntos, vestindo roupas brancas, no entanto, tais sonhos não vão além disso. Pode-se notar que a queixa principal de Helena sobre a perda dos pais é deslocada para o relacionamento com o namorado e as irmãs. 

Helena é considerada a irmã com voz ativa na família, diante de alguns assuntos e pelas iniciativas que toma para resolver os problemas que por eles enfrentados com a morte dos pais. A analisanda fala, recorrentemente, que, naquele momento, encontrava dificuldades para lidar com problemas que antes lhe pareciam de fácil resolução. As queixas sobre o namorado eram muitas, a saber: sua imaturidade, algumas mentiras que contava e até mesmo sobre planos de casamento que o mesmo fazia, mas que Helena não conseguia se incluir neles. Em outra sessão ela relatou que a causa do seu desprazer relacionava-se às concessões que ela fazia ao namorado perante seus insistentes pedidos – uso do carro, vendas sem seu prévio consentimento e outros arranjos.  

Pode-se interrogar: se a queixa inicial de Helena foi direcionada à morte da mãe, como, então, seu discurso em análise não passa pela falta da mãe a ponto de lhe implicar nessa questão? Não falar sobre a mãe foi um arranjo que a analisanda fez para suportar a perda? Que uso ela faz de seu sintoma para lidar com a falta?  

No decorrer do tratamento, a analisanda dizia de sua vida profissional como a parte boa da sua semana e o relacionamento com o namorado como a outra parte que lhe deixava sufocada pelo excesso de solicitações feitas por ele. A analisanda, sem se dar conta, repetia determinados temas e não se ocupava de outros que outrora motivara a busca de análise – a morte da mãe, por exemplo. 

O sintoma apresentado por Helena está em consonância com seu desprazer, com algo que insiste em seus registros durante o tempo em que localizava no seu discurso o que lhe preocupava. Diferente do elemento fantasmático que produz sonhos acordada sobre seus relacionamentos com outros homens, no passado, e também em no que diz respeito à inabalável relação que Helena tinha com a mãe. O que leva Helena de um discurso para outro tem a ver com o desprazer do sintoma queixa e com aquilo que ela considera prazeroso, como os sonhos que tinha com a mãe vestida de branco, um fantasma, uma repetição que significava a mesma coisa, o mesmo sentido. 

Esse caso ilustra a travessia pela clínica analítica do sintoma queixa – projeção no Outro – ao sintoma analítico, ou seja, quando uma intervenção do analista faz o sujeito se questionar, se implicar com o que diz, ao invés de se queixar. Houve nesse momento uma divisão subjetiva: tema do namoro e do seu papel diante do namorado. Helena tentou várias vezes colocar limites no namorado, principalmente em relação ao uso abusivo do carro dela. Esse parecia ser o ponto no qual ela se embaraçava, isto é, ela sempre “cedia” aos caprichos de seu namorado, assim como uma mãe neurótica não consegue se desvencilhar das birras do filho.  Ela parecia mais a mãe do rapaz que propriamente sua namorada.  

Com a localização do significante “ceder” houve uma mudança na posição subjetiva de Helena,que a partir de então não se queixava tanto do namorado. Ela constatava seu modo de agir com ele: eu era muito chata com o meu namorado. 

Neste ponto, Lacan (2003) em seu texto intitulado “Duas notas sobre a criança” nos diz:   

O sintoma da criança acha-se em condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar.

O sintoma – esse é o dado fundamental da experiência analítica – se define, nesse contexto, como representante da verdade. O sintoma pode representar a verdade do casal familiar. Esse é o caso mais complexo, mas também o mais acessível a nossas intervenções. (LACAN, 2003, p. 369) 

Conforme Lacan nos ensina, o sintoma é criado para mostrar a verdade do casal familiar. O sintoma de Helena vem nos dizer que ela colocava o namorado no lugar de objeto-filho fazendo todas as suas vontades – assim como algumas mães fazem às suas crianças – para tamponar sua própria falta. Enquanto o objeto se mostra absoluto e sem faltas, ele serve de tampão para obturar a falta no sujeito.  

Em sessões posteriores, a analisanda começa a se dar conta do que vinha acontecendo na sua relação com o namorado e pondera suas afirmações críticas relativas a ele, percebendo que em tudo que acontecia havia também sua participação e sua responsabilidade. Ou seja, apesar do incômodo sentido com os constantes pedidos do namorado, ela sempre o satisfazia. Propiciava que determinados abusos dele ocorressem e de forma inconsciente e neurótica os promovia para não se deparar com a falta nela mesma. 

Intolerante às disputas sentimentais, Helena não dividia o espaço da casa do namorado com sua sogra, que é quase da mesma idade que ela, alegando que não se sentia bem em dormir lá.

No dia em que o namorado convoca Helena a dormir em sua casa, independente do que ela considerava sobre a privacidade e o desconforto, ela se rende ao convite e passa a aceitar uma nova condição ao lado do namorado e diante da amiga de longa data e também sogra. Passa a dar menos importância para questões menores que não faziam do relacionamento algo saudável e bom de se viver.

Um giro no discurso de Helena, ponderado pela barra que o namorado coloca quando convoca Helena a não mais ser uma mulher somente incomodada com o cotidiano, mas sim uma mulher que pudesse desfrutar de menos privacidade em comparação com a casa de Helena que dorme, em um quarto separado da casa. Não interessa, esse convite foi feito de um homem para uma mulher, para a sua mulher em novos arranjos para se viver. 

Numa pequenina vinheta sobre os pais, que tanto Helena evitava em falar, relembra do dia do enterro da mãe, quando também viu numa pequena caixa os restos mortais do pai. Helena achou curioso o espaço que agora ocupava essa questão do morto, já que teve uma educação que por influência dos pais não frenquentava velórios nem enterro, inclusive não assistiu ao sepultamento do próprio pai.  

Perguntas que foram ficando para trás entre uma supervisão e outra, já que o enfoque do trabalho clínico se baseava em acolher o que o sujeito diz sobre os temas eleitos para falar. Repetir determinados temas como a sua relação amorosa e os desgastes que isso lhe implicava foi algo que bordejava o embaraço que Helena tinha para fazer suplência à falta que sentia da mãe. No lugar de uma namorada mais velha, ela condizia o relacionamento como quem assume traços de uma mãe e o jovem rapaz completaria a parceria no que repete sem se inscrever como no sintoma, uma relação entre mãe e filho.

REFERÊNCIAS 

FREUD, Sigmund. (1908). ‘Gradiva’ de Jensen e outros trabalhos. In_______ Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1969 p. 167. (Edição brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9). 

LACAN, Jacques (1969). Outros escritos. Nota sobre a criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2003 p. 369-370.


[i] Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 

[ii] Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

 

E2-52 Mais Moins Mães