Renata Cristina Rodrigues Alves[i]
Ghoeber Morales[ii] 

RESUMO
O vínculo terapêutico sempre foi discutido nas mais diversas abordagens psicológicas por ser elemento de extrema importância para o desenvolvimento do processo com o cliente. Não se pode prever o tempo necessário para que tal ligação aconteça, uma vez que cada cliente estabelece uma relação única com o terapeuta. Nessa perspectiva, objetiva-se discutir se é possível o estabelecimento de vínculo no atendimento de plantão psicológico. Para tanto, será apresentado um caso clínico para ilustrar os aspectos abordados.

Palavras-chave: Análise do Comportamento. Plantão Psicológico. Vínculo terapêutico.

 

  1. INTRODUÇÃO: 

A visão humanista, mais especificamente a Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers, foi base teórica para a criação do primeiro plantão psicológico no Brasil. Fundado na década de 60, no Instituto de Psicologia da USP (Inusp) por Rachel Rosemberg, recebeu o nome de Serviço do Aconselhamento Psicológico-SAP. Furigo (2006, p. 74) cita esse tipo de modalidade da prática psicológica como um “Pronto Atendimento Psicológico inspirado em experiências norte-americanas vividas nas walk-in clinics”. Segundo Szymansky (2004, p. 174), “a implantação do serviço no Inusp inaugurou uma nova forma de trabalho” na psicologia. 

Mahfoud (1987, p. 83) esclarece sobre a importância do serviço: 

O plantão permite um sistema de inscrição, por si, terapêutico – já no momento de pedido de atendimento, isto porque propicia ao cliente configurar com mais clareza seu pedido de ajuda – ainda que isso não mude sua perspectiva. Trata-se de facilitação à clarificação de sua demanda […]  

Considerando as características do plantão psicológico, Mahfoud (1987, p. 83) lembra que as possibilidades são limitadas: “Sua viabilidade se insere nos próprios limites da relação de ajuda”. Para que o plantão psicológico possa “mostrar-se como uma modalidade de prática psicológica atenta ao cuidado e ao desamparo através de uma intervenção clínica socialmente contextualizada” (AUN, 2004, p. 7) é preciso que o terapeuta conheça o seu cliente.  

Para Skinner (2008), tal conhecimento pode se dar por duas vias: a partir da análise de como a pessoa é, o que é, como está sendo, como virá a ser ou a partir do que ela faz. O primeiro meio está relacionado ao Humanismo, que busca conhecer o indivíduo através de relações interpessoais tornando ideias e sentimentos comuns ao cliente e ao terapeuta. O autor considera esta uma forma passiva de conhecimento pelo terapeuta. Uma forma ativa seria pela segunda forma de relacionar-se com o cliente: a partir da análise comportamental. Esta teoria explica comportamentos com foco no ambiente e não nos estados psíquicos (embora não os desconsidere).  

A prática no plantão psicológico propiciou inúmeras mudanças e adequações deste modelo de atendimento clínico, mas pode-se considerar que permanece inalterada sua principal característica, que é tornar mais claro para o cliente sua problemática demandada. Segundo Delitti (2005), a terapia comportamental objetiva alterar o repertório do cliente a partir do processo de ensino-aprendizagem no qual podem ser extintos comportamentos considerados inadequados para ele e/ou criar novas formas de ação que possibilitem melhor adaptação com o ambiente. No atendimento de plantão, mesmo com um número de atendimentos bem menor do que o que ocorre num processo terapêutico, tenta-se também modificar o repertório do cliente através do processo de ensino aprendizagem visando ampliar a visão do atendido sobre a problemática trazida para o consultório. Como essa modalidade clínica possui algumas limitações, como citado por Mahfoud (1987), torna-se essencial que a relação entre a díade terapeuta-cliente seja qualificada. 

O terapeuta, através de uma audiência punitiva, pode acabar por promover um controle aversivo, de modo que prejudique a aliança terapêutica necessária para a mudança de comportamento do cliente. As consequências podem ser comportamentos de fuga e esquiva, indesejáveis no contexto terapêutico. Para não funcionar como uma audiência punitiva, o terapeuta precisa evitar, entre outros aspectos, usar uma linguagem mais complexa do que a linguagem do seu cliente e emitir regras e/ou reforçamentos arbitrários em excesso (MEDEIROS, 2002 apud ALVES; ISIDORO-MARINHO, 2010). Além destes aspectos, constituem-se como facilitadores do vínculo a disponibilidade de tempo para que o cliente possa expressar-se livremente; a atenção integral por parte do terapeuta; a cautela para emissão de julgamentos ou conclusões a respeito da problemática do cliente; a capacidade de compreensão,  a integridade e a honestidade nas comunicações. A empatia, a cordialidade e a sensibilidade para os fatos ocorridos no ambiente terapêutico também são considerados facilitadores (CORDIOLI; CEITLIN, 1998).

 

  1. CASO CLÍNICO: 

Maria[iii], 48 anos, procurou a clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva encaminhada por sua psiquiatra. Com diagnóstico de esquizofrenia há 7 anos, sofria com a questão da aceitação da doença pela única filha de 16 anos. Divorciada há aproximadamente 16 anos, tinha medo que o ex-marido ficasse sabendo de sua doença e quisesse tirar a filha de sua guarda. Tomava medicação controlada, embora há 3 anos não tivesse qualquer crise relacionada à doença. No primeiro atendimento relatou que estava sofrendo muito com as brigas constantes com a filha adolescente a qual a ameaçava todo o tempo dizendo que iria morar com o pai. Este lhe devia vinte mil reais de pensão e por mais que tivessem feito acordos na justiça nenhum valor havia sido pago. Deixou bem claro para a plantonista que embora se recordasse de alguns atos cometidos durante suas “crises esquizofrênicas[iv]” não gostaria de falar sobre eles durante os atendimentos. Há cerca de 7 meses deixou de realizar atividades que lhe davam prazer como projetos na igreja, bordar, tricotar, pintar e contar histórias para crianças. Queixou-se também de não ser vaidosa e que há 4 meses nem varria sua casa por falta de ânimo e com isso, tudo estava em completa desordem. 

Durante os cinco atendimentos a plantonista buscou trabalhar com a cliente a relação mãe e filha (com comportamentos mais assertivos da primeira em relação à segunda) bem como a disposição para realizar tarefas rotineiras. Como fazia atendimentos com um médico psiquiatra, a cliente vez ou outra levava para a sessão relatos do outro profissional como se quisesse confrontar a plantonista com opiniões diferentes das que estavam sendo trabalhadas naquele contexto. A plantonista buscou não reforçar esse comportamento, voltando tais questões levantadas para a cliente no sentido de tentar identificar o que a mesma acreditava ser o mais adequado para sua vida. Reforçou todos os comportamentos “adequados” da cliente e a cada sessão as melhoras eram visíveis. Em menos de um mês, Maria relatou melhoras no relacionamento com a filha e já havia começado alguma limpeza em sua casa. Apresentava-se às sessões mais alegre e asseada, caprichando no visual. Relatava que queria arrumar sua vida da mesma forma como estava organizando sua mente.

Em algumas ocasiões Maria declarou-se muito satisfeita com os atendimentos por ter sentido liberdade para falar sobre assuntos que antes não conseguia comentar com ninguém. A plantonista agradecia a confiança, mas alertava que a cliente era também responsável pelos atendimentos e a liberdade que sentia provinha da disponibilidade para se expor e colocar em prática aquilo que era trabalhado nos atendimentos. 

No penúltimo dos cinco atendimentos a que tinha direito, Maria decidiu revelar o que acontecera durante suas “crises esquizofrênicas”. A justificativa foi que ela percebeu que não conseguiria colocar sua vida em ordem sem trabalhar consigo o que havia feito, porque tais pensamentos passavam por sua cabeça diariamente. De forma tranquila, a plantonista ouviu o relato da cliente buscando discutir com ela os motivos pelos quais ela poderia ter agido da maneira como agiu. Foram abordados temas relacionados à sua infância, sua família, sua vida sexual, o casamento, o relacionamento com a filha e suas relações com o trabalho. No final do atendimento Maria disse estar muito mais tranquila, agradeceu a forma como foi acolhida e informou que tinha certeza que daquele momento em diante tinha forças para realizar as mudanças que desejava para sua vida. A cliente assumiu responsabilidades sobre algumas situações bem como passou a considerar a responsabilidade de outras pessoas em eventos em que se achava culpada. 

Ao final das cinco sessões, Maria concordou em ser encaminhada para um atendimento psicoterápico mais longo que o plantão psicológico, uma vez que percebeu algumas questões que gostaria de cuidar.

 

  1. CONCLUSÃO: 

Levando-se em consideração os fundamentos do Plantão Psicológico e o caso clínico apresentado, pode-se afirmar que o vínculo terapêutico nesse tipo de atendimento é possível.  

No relato clínico, a evidência da formação do vínculo fica explícita quando se considera as “crises esquizofrênicas” reveladas pela cliente. Já no primeiro atendimento, Maria informou que não gostaria de tratar sobre suas ações durante as crises. Tal informação denunciou a resistência da cliente em falar de assuntos que não lhe eram prazerosos para uma desconhecida. Três sessões depois, porém, ela relatou tais fatos para a plantonista, o que demonstra que a relação terapêutica ocorreu da forma desejada num contexto psicoterápico. Caso contrário, os atendimentos poderiam ter sido mais superficiais e a cliente poderia ter levado para discussão apenas os acontecimentos rotineiros de sua vida ou até mesmo desistido dos atendimentos. 

Pode-se dizer que as intervenções foram eficazes, já que plantonista e cliente estavam envolvidas no processo de tal forma que foi possível construir uma relação de confiança entre a díade. A partir do caso, ficou evidente a importância da plantonista de se colocar com uma postura reforçadora e como uma audiência não-punitiva para auxiliar a cliente a realizar mudanças para seu próprio bem-estar. A esse respeito, Delitti Afirma que: 

Quando o cliente entende a relação terapêutica como uma relação onde é cuidado e apoiado, ele começa a revelar informações, sente-se protegido, confia no terapeuta, identifica o relacionamento como especial, diferente do que tem com outras pessoas. Como conseqüência, as respostas adquiridas e reforçadas nesta interação frequentemente se generalizam para outros ambientes, ficando sob o controle das contingências naturais. (DELITTI, 2005, p. 3)

 

REFERÊNCIAS

ALVES, Nathalie N. F.; ISIDORO-MARINHO, Geison. Relação Terapêutica sob a Perspectiva Analítico-Comportamental. In: FARIAS, Ana Karina C. R.(Org.). Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed, 2010. Cap. 4, p. 66-94. 

AUN, Heloisa Antonelli et al. Plantão Psicológico em Unidades de Internação da FEBEM/SP: resgate da subjetividade. In: 2º CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 2004, Belo Horizonte. Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2004. p. 1-8. Disponível em: <http://www.ufmg.br/congrext/Saude/Saude129.pdf>. Acesso em: 16 set. 2009. 

CORDIOLI, Aristides V; CEITLIN, Lúcia H. F. O Início da Psicoterapia. In: CORDIOLI, Aristides V. (Org.). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 2 ed. Cap. 7, p. 99-107. 

DELITTI, Maly. A Relação Terapêutica na Terapia Comportamental. In: GHILHARD, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell (Orgs.). Sobre comportamento e cognição: Expondo a variabilidade. Disponível em: <http://ceaconline.com.br/relacaoterapeutica.pdf>. Acesso em: 01 set. 2009. 

FURIGO, Regina Célia Paganini Lourenço. Plantão Psicológico: uma contribuição da clínica junguiana para Atenção Psicológica na área da Saúde. 2006. 291 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2006. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/tde_arquivos/6/TDE-2007-01-04T064506Z-1238/Publico/Regina%20Celia%20Furigo.pdf>. Acesso em: 15 set. 2009. 

MAHFOUD, Miguel. Vivência de um desafio: plantão psicológico. In: ROSENBERG, R. L. (Org.). Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: EPU, 1987. cap. 6, p. 75-83.

MEDEIROS, Carlos Augusto. Comportamento verbal na terapia analítico comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 4, n. 2, p.105-118. 

SKINNER, Burrhus. Frederik. Humanismo e Behaviorismo. In: ______. Reflections on Behaviorism and Society (1978).  Tradução de Hélio José Guilhardi e Patrícia Piazzon Queiroz.  IAAC – Instituto de Análise Aplicada de Comportamento. Campinas, 2008, p. 1-7. Disponível em: <http://www.iaac.com.br/textos/skinner/humanismoebehavorismo.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009. 

 SZYMANSKI, Heloisa. Plantão psicoeducativo: novas perspectivas para a prática e pesquisa em psicologia da educação. Psicologia da Educação, São Paulo, v. 19, p. 169-182, dez. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/psie/v19/n19a09.pdf>. Acesso em: 15 set. 2009.


[i]Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

[ii]Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 

[iii] Nome fictício. 

[iv] Denominação dada pela cliente para seus momentos de descontrole.

E2-46 Vínculo terapêutico no plantão psicológico: uma discussão sob a perspectiva da análise do comportamento