Mônica Claudinéa da Silva[i]
Raquel Neto[ii]
RESUMO
Este artigo tem como finalidade conceituar temas existenciais observados ao longo do processo psicoterápico de uma adolescente em tratamento na clínica de Psicologia da Newton Paiva, no período de agosto a novembro de 2008. A temática deste texto tem como referência as práticas clínicas cuja fundamentação teórica utilizada é a fenomenológica existencial.
Palavras-chave: Liberdade. Angústia. Fala. Psicoterapia.
Tomando como base todo o processo psicoterápico, é possível articular teoria e prática através de temas existenciais como: angústia e liberdade. Os conceitos serão analisados do ponto de vista de como a cliente lida com os mesmos em seu cotidiano. De maneira resumida, Feijoo (2000, p. 67) esclarece os conceitos acima mencionados:
A angústia, sentimento que ocorre frente à possibilidade, caracteriza a situação de liberdade. O homem é livre para o pecado. Tanto o pecado quanto a liberdade não se dão a partir de nenhuma premissa. “A liberdade é infinita e provém do nada”. A angústia surge frente ao real estabelecido e ao futuro. (FEIJOO, 2000, p. 67)
Y é uma adolescente de 15 anos que procura a clínica trazida pela mãe cuja queixa inicial se resume no comportamento tímido de Y e nas reprovações sucessivas na mesma série. Queixa-se igualmente da falta de interação com os colegas da escola, bem como com a própria família. Y era membro de um coral da sua comunidade, onde tocava flauta e foi retirada pela mãe com a justificativa de matriculá-la em escola integral visando melhorar seus rendimentos escolares. Por se tratar de uma família de poucos recursos, as atividades do coral – ensaios e apresentações – eram um dos poucos entretenimentos disponíveis.
Nosso primeiro encontro foi marcado pela ansiedade e angústia. Para Feijoo (2000, p. 86) “A angústia constitui-se, portanto, como uma estrutura ontológica da existência”. Y estava sozinha na sala de espera e, ao ser abordada pela terapeuta, não responde ao cumprimento dessa, colocando-se prontamente a acompanhá-la até o consultório. Y assenta-se na beirada do sofá e parece não estar à vontade. Começa a roer as unhas e mantém-se ruborizada por quase toda a sessão. Não fala absolutamente nada, restringindo-se a responder às perguntas da terapeuta. Num dado momento, Y desaba em choro escondendo o rosto com as mãos. A terapeuta acolhe essa forma de expressão. Quanto ao conceito de fala, Feijoo (2000, p. 43) afirma que
[…] é a fala que dá voz a hermenêutica. Daí, aquele que investiga pode se guiar pelo próprio diálogo. Ao permitir que a fala se dê em liberdade, permite-se também a revelação do ser. Mostrar-se a si mesmo é discursar. Discursar é o acontecer, ou mostrar-se no sentido da entidade, isto é, da palavra, do gesto, do silêncio, enfim, do comportamento. (FEIJOO, 2000, p. 43)
Heidegger (1990) citado por Feijoo (2000, p. 44) corrobora o conceito acima descrito acrescentando que
O ser humano fala. Falamos acordados e nos sonhos, falamos continuamente; falamos inclusive quando não pronunciamos palavra alguma e quando escutamos ou lemos, falamos também quando nem escutamos ou lemos senão que efetuamos um trabalho ou nos entregamos ao ócio. (HEIDEGGER, 1990)
Ao longo do processo psicoterápico, esse era o modo-de-ser-com-o-outro de Y. Não se expressava verbalmente limitando-se a responder, com a cabeça, às interpelações dirigidas a ela. Em face disso e visando amenizar a angústia visível de Y, a terapeuta propõe atividades de colagens, desenhos, pinturas que são prontamente aceitos por Y, mas que ao ser solicitada a falar sobre sua obra, esta se nega a fazê-lo. Para Augras (2002, p. 78) “a fala do indivíduo exprime a organização do seu mundo, constantemente criado, questionado, ameaçado e reconstruído”. A fala é um meio eficaz que favorece o processo psicoterápico. A este respeito Feijoo (2000, p. 15) aponta que,
[…] Sabe-se que a psicoterapia consiste em uma relação de produção mútua, na co-presença ‘cliente-psicoterapeuta’. Neste contexto, o interesse dirige-se para uma proposta de mobilização e até mesmo de mudança por uma das partes, o dito ‘cliente’. A outra parte, o ‘psicoterapeuta’, fica implicada na situação de ampliar a sua compreensão acerca da existência do outro. No processo psicoterapêutico, a relação caracteriza-se como o elemento fundamental para que a proposta de psicoterapia seja levada a cabo. (FEIJOO, 2000, p. 15)
A terapeuta reflete sobre seu modo de ser-com-o-outro sempre ‘preparando’ algo que facilitasse a fala de Y. Assim, a terapeuta conclui que, ‘se desarmar’ talvez fosse o melhor caminho para criar um vínculo cliente/psicoterapeuta. Nesse sentido, nada foi ‘preparado’, em termos de atividades, para as próximas sessões. O que se deu foi um imenso silêncio! Foram várias sessões em completo silêncio! Quanto a esse modo-de-ser, Augras (2002, p. 83) alerta: “Todos sabem, contudo, que o silêncio, a reticência, são tão expressivos quanto as palavras”.
Em meados de outubro, a terapeuta já bastante incomodada com Y que permanecia em seu silêncio, usa de congruência dizendo a ela sobre seus esforços e frustrações referentes ao processo que parecia não caminhar. Para surpresa da terapeuta, Y diz gostar muito de ir às sessões e se põe a falar sobre suas novas conquistas na escola. Surge a contradição. Nessa perspectiva, Augras (2002, p. 83) diz que,
[…] Se as informações fornecidas forem contraditórias, não devem por isso ser desprezadas. Pelo contrário, é no esforço de síntese que o psicólogo terá a maior chance de compreender a verdade do indivíduo. Claro que isso supõe, por parte do profissional, bastante liberdade e integração para aceitar as suas próprias contradições e encarar a sua própria verdade. As discrepâncias da fala do cliente serão então reconhecidas como eco do próprio discurso tumultuado. (AUGRAS, 2002, p. 83)
Início de sessão, a terapeuta surpreende Y mexendo em seu celular que havia esquecido sobre a mesa. Atenta à situação, a terapeuta se remete a ela dizendo de sua percepção, o que permite a Y expressar sua expectativa quanto à sua aprovação na escola, pois se assim acontecesse, sua mãe a presentearia com um ‘celular igual ao seu’. Já próximo ao final da sessão, Y reflete sobre sua própria forma de estar-com-o-outro: “Hoje foi legal…Quer dizer, todo dia é legal. Gosto de vir aqui e gosto também de você. Acho que foi legal por que hoje a gente falou…Quer dizer, eu falei!” Sob a ótica de Erthal (1995, p. 28-30) qualquer compreensão do homem surge, tendo por base, a compreensão de si, mesmo em face de conflitos existenciais. Portanto, o cliente é a pessoa que melhor atribuirá sentido às suas experiências. Na visão de Augras, (2002, p. 85) “O caminho para o conhecimento do cliente passa pelo autoconhecimento do psicólogo”.
REFERÊNCIA
AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Treinamento em psicoterapia vivencial. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
FEIJOO, Ana Maria Lopes Calvo de. A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-existencial. São Paulo: Vetor, 2000.
YALOM, Irvin D. O executor do amor e outras estórias sobre a psicoterapia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
[i]Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
[ii]Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva