Leonardo Vieira Medeiros[i]
Geraldo Martins[ii]
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo estudar a angústia em sua ramificação teórica. Através de revisão bibliográfica discutirá a relação entre o que na prática da clínica psicanalítica, se torna indissociável; a angústia e sua relação como o desejo. Percebe-se como este escrito a possibilidade de reatar os laços entre o sujeito e sua busca incessante pelo objeto perdido através da ética Psicanalítica.
Palavras-chave: Angústia. Desejo. Ética.
No atendimento realizado no estágio, com a direção clínica da teoria psicanalítica e supervisionado pelo Professor Geraldo Martins, no período 2009/2010, deparamos com sujeitos que buscam para si uma ajuda, uma orientação. Dentro desse atendimento nos é vetado sugestionar àquele que vem ao nosso encontro, restando a tentativa de compreendê-los em seu sofrimento e buscar em seu dito a orientação que é, ele mesmo, balizador de suas vidas.
Com isso, buscamos aqui discorrer nosso trabalho através da experiência vivida na clínica. A paciente em questão nos procura com um histórico familiar conturbado, onde houve violências e perdas significativas, para as quais percebeu no trabalho constante, na sua rotina profissional sobrecarregada, um modo de escamotear a falta inerente à vida.
Tal recurso sustentou sua conduta durante muito tempo, porém, o horizonte da aposentadoria, agora muito mais perto, é o fato que escancara sua devoção profissional em detrimento da mesma para com sua vida pessoal. A paciente procura o serviço da Psicologia com o temor de que vá perder o sentido de sua vida, quando não mais houver o trabalho, sua fonte única de investimento.
Para buscar teorizar acerca de tal acontecimento trataremos da angústia que, conforme Zeferino Rocha, em Os destinos da angústia na Psicanálise Freudiana (2000), os homens, em todas as épocas valeram-se desse sentimento para formalizar suas vivencias profundas de medo, temor, terror, desespero e desamparo. A angústia remete à aflição intensa, ao sofrer, à sensação de impotência e diz respeito a uma condição existencial, algo que se volta para o próprio sujeito, se centra nele e se liga a reações somáticas ou a um objeto que geralmente não oferece perigo.
Com a impossibilidade de livre satisfação da pulsão em razão de alguma circunstância, o sujeito é acometido sob acúmulo da libido, a estados de angústia que evidenciam sintomas de medo e reações orgânicas das mais diversas. O fracasso na descarga de excesso de estímulos desemboca na irrupção da angústia. Ela surge como um sinal de que há uma perturbação na economia psíquica, atua como um sinal de desamparo frente às exigências da pulsão. E é frente a esse desamparo que a paciente faz uma espécie de previsão, como se já houvesse, antes da aposentadoria, um sinal dessa angústia.
O desamparo se refere à emergência da angústia. Indica o estupor, a incapacidade, a impotência que o sujeito tem para se ajudar com seus próprios recursos em que ele se sente inerte. Como um estado de alerta, nossa teorização, aqui explanada, coloca em questão essa inércia apontando para a exaltação do estado de alerta, e mais ainda, diz respeito a uma dinâmica interna do sujeito, ou como dito anteriormente, um desamparo frente às exigências da pulsão. Como fonte única de investimento a paciente teme, mesmo sem saber, essa avalanche pulsional que ameaça romper as barreiras e dissipar seu ser.
Para a Psicanálise, a via de saída da dor, longe de ser a abolição do desejo, que corresponde ao culto à pulsão de morte, ao princípio de Nirvana como um retorno ao inanimado, é precisamente o seu oposto, ou seja, a saída através da conjunção da “sede” com a “ignorância”, cujo produto é o desejo de saber (QUINET, 1999, p. 91).
Em seu livro O Seminário: Livro 8: a transferência, Jacques Lacan (1992) cita sobre a angústia sua relação com o desejo. Partindo do ponto de vista econômico Freud, citado por Lacan, busca onde é captada a energia do sinal de angústia. Tomando como pressuposto a eterna busca do sujeito pelo objeto perdido, ou seja, a relação do sujeito cindido com o objeto causa de desejo, podemos dizer que a angústia emerge quando o investimento no objeto causa de desejo se mostra ausente. A paciente nesse caso não reconhece a legitimidade do trabalho como objeto causa de desejo.
A produção do sinal de angústia é como um modo de clamor pelo sujeito cindido encaixado no desejo, ou seja, perseguindo os objetos causa de desejo imagináveis e concretizáveis durante toda vida a fim de tomar seu lugar na ordem do desejo. Ao contrário da paciente que permaneceu engajada na lógica do gozo, como a procura de uma descarga completa. Conforme Colette Soler em Extravios do Desejo (1999), pode-se pensar que o desejo é, ele mesmo, um tipo de defesa, onde ele cair, levanta-se o gozo.
Só há sinal de angústia na medida em que se lida com o objeto de desejo e no sentido de que o mesmo perturba o Eu ideal, pois não há completude já que o desejante escancara a falta. A angústia tem em si uma característica de expectativa (Erwartung) que denota a relação com o desejo. Em virtude do mecanismo do recalque, que por alguma razão pode agir sobre o objeto, apenas restará dele a expectativa, característica da angústia sob a qual se sustenta a relação com o desejo.
O desejo é diferente da necessidade e, por isso, contém em si um caráter perigoso, tão perigoso quanto uma ameaça externa, “… a angústia é o que lhes disse, uma relação de sustentação do desejo, pois o objeto falta, invertendo os termos, o desejo é um remédio para a angústia” (LACAN, 1992, p. 357).
A paciente já parece ter uma implícita compreensão de que onde não há desejo, há o culto ao gozo, sendo esse inadequado ao sujeito, já que ele não traz a satisfação prometida ou ainda devasta o sujeito. Mesmo entendendo que a busca, por melhor que seja não alcançará tudo que se procura, reconhece que sua economia pulsional se dirige a um abismo que na falta do trabalho, será outro, talvez não tão bom.
De acordo com Antônio Quinet em Extravios do Desejo (1999), pode-se entender que um patamar impossível de ser alcançado como Ideal é o ponto para se apreender que a falta é constitutiva e guia do sujeito para a busca do seu desejo. Ao proporcionar um tratamento pelo caminho do desejo, a psicanálise oferece a essa paciente um caminho que parte da dor de existir do sujeito e oferece a direção para se viver com satisfação. Contudo, apenas faz-se necessário que o sujeito tenha coragem de enfrentar a dor de viver, fazendo da falta que dói a falta que constitui o desejo.
REFERÊNCIAS
LACAN, Jacques. A angústia na sua relação com o desejo.In: __________. O Seminário: Livro 8: a transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 348-358.
QUINET, Antônio. Atualidade da depressão e a dor de existir.In: __________. Extravios do desejo: Depressão e Melancolia. Rio de Janeiro: Marca d’Água Livraria e Editora Ltda, 1999. p. 87-94.
_______. Um mais de melancolia.In:________. Colette Soler. Extravios do desejo: Depressão e Melancolia. Rio de Janeiro: Marca d’Água Livraria e Editora Ltda, 1999. p. 96-111.
ROCHA, Zeferino. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000. 169 p.
[i] Acadêmico do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
[ii] Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva