Frederico Braga Dantas Gomes[i]
Gustavo Teixeira[ii] 

RESUMO
Este artigo aborda o tema da agressividade infantil sob a perspectiva teórica e clínica do Behaviorismo Radical. Partindo das observações feitas no estágio e com a contribuição da literatura, o objetivo do trabalho é evidenciar o importante papel que o ambiente familiar hostil pode desempenhar na instalação de comportamentos de agressividade infantil. 

Palavras-chave: Agressividade infantil. Behaviorismo Radical. Ambiente familiar. 

 

Deixemos bem claro desde o princípio que a agressividade é um padrão comportamental que possui uma gama enorme de determinantes. Por ser impossível fazer uma análise englobando todas as variáveis existentes, elegeu-se o ambiente hostil como variável independente para os comportamentos em questão. 

É importante enfatizarmos o fator “ambiente” em nossa análise. Isso se deve ao fato de que  

[…] o Behaviorismo Radical tem como filosofia a proposta do estudo do comportamento a partir de uma reflexão ambientalista, e não a partir de estados internos, como explicação para o mesmo. (MARQUES, 2004, p.08). 

Matos e Tomanari (2002, p.7) ratificam tal idéia ao afirmarem que

A Análise Experimental do Comportamento é uma área da Psicologia que se insere no contexto das disciplinas das ciências naturais, tais como a Biologia, a Física, a Química. Porque é uma ciência natural, não se utilizam, nesta área, explicações que recorrem a fatores que não existam nas dimensões espacial e temporal (não se aceitam explicações metafísicas ou sobrenaturais, por exemplo). Uma instância de explicações metafísicas para o comportamento recusada pela Análise Experimental do Comportamento é atribuir ao self – um agente autônomo que causa o comportamento das pessoas e que opera em um construto hipotético denominado mente – a causa de um comportamento. 

Com isso, dizemos que o estabelecimento de um padrão comportamental é resultado da interação que se estabelece entre o sujeito e suas experiências, tanto em ambientes do passado, quanto no seu ambiente atual. 

O caso a ser apresentado refere-se a Jean Carlos[iii], menino de nove anos de idade que mora com os pais e com a irmã um ano mais nova, portadora de déficit auditivo. Durante o período de acompanhamento do caso, a questão que mais se destacou em meio aos problemas apresentados pela criança foi a agressividade da mesma contra a irmã. 

Através das entrevistas iniciais tanto com a criança quanto com a mãe, levantaram-se alguns dados importantes que nos ajudam a compreender melhor a dinâmica familiar na qual Jean Carlos está inserido. Num contexto geral, o que se percebe é que a criança vive num ambiente onde há constantes brigas e total iminência de punição. 

No primeiro contato com a mãe de Jean Carlos, esta afirma que a relação com a criança é bastante conturbada: “Vivemos em pé de guerra. Batemos de frente e eu gosto de ser contra ele. Eu faço para irritá-lo, sou terrível! Até parece que temos a mesma idade. Ele fala que eu falo e grito muito, e isto é verdade. Acho que ele é adulto demais e precisa ser mais criança.” Diante disto, apresenta-se de maneira clara o predomínio da coerção no âmago das relações familiares que vem sendo estabelecidas durante o passar dos anos. Isso faz com que a coerção passe a ser vista pela população como algo natural, algo da vida.

Por tratarmos da relação entre o ambiente hostil e os comportamentos de agressividade em crianças, devemos mostrar como a coerção social as atinge desde muito cedo. Conforme Sidman (1989, p.42), 

Assim que os bebês começam a se mover por conta própria, a “mexer” nas coisas, adultos recorrem à restrição e punição para estabelecer limites. Não é difícil encontrar pais que raramente falam com suas crianças exceto para admoestar, corrigir ou criticar. Mesmo quando bebês, somos expostos ao modelo coercitivo; aprendemos rapidamente que a coerção é o modo-padrão para fazer com que os outros façam o que queremos. Isso não acontece porque somos cruéis ou maus por natureza ou porque queremos inculcar essas qualidades em nossos filhos, mas porque não conhecemos alternativas efetivas. A natureza raramente fornece outro modelo para que imitemos. 

Os primeiros comportamentos aprendidos na infância possuem uma característica bastante peculiar: eles possuem grande potencial para permanecerem durante a vida adulta do individuo. Isto se deve ao fato de que quando um organismo jovem aprende uma dada resposta e esta passa a ser reforçada constantemente, a aquisição de outros tipos de comportamentos acaba ficando comprometida (LUNDIN, 1977). Seguindo esta linha de raciocínio, sugere-se que as crianças que apanham podem apresentar um nível de agressividade maior porque, ao serem agredidas pelos seus pais, passam a aprender maneiras similares de se comportarem diante das mais diversas situações. Sobre esta hipótese, Bandurra, Ross e Ross (1961, apud REGRA, 2000, p. 159) 

[…] afirmam que o castigo físico pode reduzir a freqüência e a intensidade de um comportamento, e pode oferecer, simultaneamente, um modelo agressivo à criança e aumentar a probabilidade da resposta futura. 

Ainda em relação à questão comportamento agressivo infantil e ambiente hostil, cabe acrescentarmos a existência de um mecanismo inato da agressão induzida por punição. Em presença disto, alegamos que a cada ação há uma reação, ou seja, a cada vez que o sujeito for exposto a um estímulo aversivo de natureza violenta, haverá logo em seguida uma retaliação por parte dele próprio. Caso seja bem sucedido, o reforçamento será inevitável e, consequentemente, teremos o aumento na probabilidade de ocorrência do comportamento agressivo (SIDMAN, 1989).

Voltando às relações familiares, a relação com o pai parece ser bem distinta, pois, segundo o relato da mãe e o da própria criança durante os atendimentos, o pai representa um ídolo para o filho. Em contrapartida, a relação do casal segue a linha da hostilidade, dado às constantes brigas, ao alcoolismo do pai e ao processo de separação que quase terminou em divórcio há um ano e meio atrás.  

Não obstante a tudo isto, há ainda a questão que gira em torno da irmã de Jean Carlos. Percebeu-se durante os atendimentos e entrevistas com os pais que há uma certa superproteção da mãe para com a filha, uma vez que esta última possui deficiência auditiva e este fato funcionaria como justificativa para o comportamento da mãe. Algo de que Jean Carlos se queixou em vários atendimentos foi da falta de critérios da mãe para punir ou agradar os filhos. Isso porque, segundo a criança, é comum a mãe fazer vistas grossas aos comportamentos desviantes da irmã, ao passo que ele próprio é constantemente punido por comportamentos de menor gravidade. 

Todo este contexto tornou-se propicio para que Jean Carlos criasse a autoregra “Minha mãe gosta mais da minha irmã do que de mim.”, o que contribui para o surgimento de um clima de rivalidade e, consequentemente, agressividade entre as duas crianças.

O caso de Jean Carlos nos coloca diante da importância de investigarmos a fundo todas as relações que o indivíduo estabelece em seu meio social, principalmente as relações familiares quando estamos em atendimento infantil, pois elas podem fornecer uma enorme fonte de informações que vão auxiliar o terapeuta no processo ativo de criação de hipóteses e estratégias de intervenção. 


REFERÊNCIAS 

BANDURA, A.; ROSS, D. e ROSS, S. A. (1961). “Transmission of aggression through imitatio of aggressive models”. J. Abnorm. Soc. Psychol 63, pp. 575-582. apud REGRA, Jaíde A. Gomes. A agressividade infantil. In: SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos (Org.). Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil. Campinas: Papirus, 2000. Vol. II, Cap. 6, p. 157-194. 

LUNDIN, Robert W. A influência das condições biológicas e das primeiras condições ambientais no desenvolvimento da personalidade. Personalidade: uma Análise do Comportamento.Tradução de Rachel Rodrigues Kerbauy e Luiz Otávio de Seixas Queiroz. 2. ed. São Paulo: Pedagógica e Universitária, 1977. Cap.VIII, p. 233-260. 

MARQUES, Roberto Gomes. Uma contribuição do Behaviorismo Radical na análise funcional do comportamento anti-social. 2004. 23 f. Monografia (Graduação em Psicologia) – Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 2004. 

MATOS, Maria Amélia; TOMANARI, Gérson Yukio. Por uma ciência natural: a Análise Experimental do Comportamento. Análise do Comportamento no laboratório didático. São Paulo: Manole, 2002. Cap. 2,  p. 07-11.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações.Tradução de Maria Amália Andery e Tereza Maria Sério. Campinas: Psy II, 1989. 301 p.


[i] Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 

[ii] Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 

[iii] Nome Fictício

E2-19 Agressividade Infantil: fragmentos de um atendimento clinico