Elenice Geralda Ferreira[i]
Izabel Cristina de Amorim Fonsecai
Genilce Cunha[ii]
RESUMO
Por deste artigo objetivamos trazer à tona uma discussão acerca da violência doméstica, um fenômeno gerador de rupturas e desequilíbrio emocional no sistema familiar e em cada um dos seus membros. Apontamos a vergonha como um segredo familiar no qual pode-se mistificar ou destorcer um processo de comunicação interfamiliar.
Palavras-chave: Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Família.
A violência doméstica é um problema expressivo na sociedade contemporânea, que atinge mulheres, crianças e adolescentes; implicando em desgastes físicos, emocionais e psicológicos. Hoje, no Brasil, acredita-se que o fenômeno faz parte de um grande problema de saúde pública.
Como forma de proteção às mulheres no âmbito familiar, em 2005 criou-se a Lei 11.340/06, titulada de Lei Maria da Penha em homenagem a uma farmacêutica bioquímica que ficou paraplégica por causa de um tiro nas costas dado pelo próprio marido. Ela se tornou um ícone na luta contra a violência doméstica e a impunidade dos agressores.
A lei se aplica à violência que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológica, e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, onde haja o convívio de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
De acordo com Fernandes (2008), uma das alternativas de melhor compreensão a respeito das dinâmicas familiares está no pensamento sistêmico, que amplia a compreensão sobre os sistemas humanos e sobre os padrões interacionais que mantêm a estabilidade do grupo, apesar das constantes mudanças que podem ser observadas.
Para Minuchin (1990), os membros da família se relacionam de acordo com certos ajustes que dirigem suas transações, e habitualmente, não explicitamente enunciados ou mesmo reconhecidos, formam a estrutura da família. O autor relata que a estrutura familiar não é uma entidade imediatamente acessível ao observador, há um processo de união com a família na qual os dados do terapeuta e seus diagnósticos são alcançados experiencialmente. Assim:
Ele ouve o que os membros da família contam-lhe a respeito da maneira pela qual eles experienciam a realidade. Mas também, ele observa a maneira pela qual os membros da família se relacionam com ele e entre si. O terapeuta analisa o campo transacional, em que ele e a família se encontram, a fim de fazer um diagnóstico estrutural. (MINUCHIN, 1982 p.90)
Ao estudarmos diferentes conceituações de família, percebemos que ela é um grupo natural que, através do tempo, tem desenvolvido diferentes padrões de interação. A estrutura familiar é constituída por esses padrões, que por sua vez governam o funcionamento dos membros da própria família, delineando sua gama de comportamentos e facilitando sua convivência (MINUCHIN E FISHIMAN, 1990).
Outro conceito declara que a família pode ser descrita como sendo um espaço no qual ocorre o desenvolvimento psicológico do indivíduo, de um estado de fusão/indiferenciação para um estado de separação/individualização cada vez maior. Este ciclo é determinado não apenas por estímulos biológicos e pela interação psicológica, mas também por processos interativos no interior do sistema familiar. Igualmente, o curso da história futura do indivíduo pode ser prevista à base do clima emocional predominante na família de origem (ANDOLFI e col., 1984).
Em se tratando de violência doméstica, Fernandes (2008) diz que a violência é um fenômeno humano que envolve uma relação de poder e submissão, fenômeno este que acompanha o ser humano desde os princípios de sua história, porém só recentemente o discurso da ordem e da disciplina passou a ser questionado.
Ainda de acordo com a mesma autora, a abordagem sistêmica possibilita a ampliação da compreensão acerca dos sistemas humanos e desperta a sociedade para a complexidade das interações interpessoais, exigindo assim a construção de uma pratica terapêutica no atendimento às vitimas de violência. Desta forma, relata que a violência doméstica carrega tabus e outros aspectos envolvidos na manutenção do seu segredo, que consequentemente mantém um ciclo vicioso, bem como a vergonha.
Em se falando de vergonha, Imber-Black (1994) descreve uma vergonha herdada, e pontua que a imagem que temos sobre nossa família está baseada em inpults radicalmente limitados, desta forma extraímos tudo que é introduzido. “O que começou como pessoas, locais, eventos e modos de viver juntos o que chamamos de processo familiar torna-se, ao longo do tempo, injunção internas ou comandos sobre como ser, como ver a si mesmo e como perceber o mundo” (IMBER-BLACK, 1994, p. 46).
O sentimento de vergonha em relação à violência pode ser uma maneira de manter um segredo familiar. Sabe-se que os segredos envolvem tabus culturais. Eles protegem algo, mantendo-o invisível a outros.
Assim, Chauí[iii] (1999, apud Fernandes, 2008, p. 45) afirma que o sentimento de vergonha é uma das consequências da violência. O indivíduo, ao ser violentado, seja por uma violência de natureza física, psicológica ou sexual, passa a sentir-se menos digno que outros seres humanos, pois a violência incute na vítima um senso de impotência e de inutilidade.
Uma criança que cresce sob a violência pode vir a acreditar em sua própria desvalia, e quando se tornar adulta pode pensar de si mesma como ser desmerecedor e incapaz de estabelecer relações afetivas seguras, confiáveis e duradouras, assim como, construir um projeto de vida pessoal e profissional. A internalização do sentimento de vergonha evita a possibilidade de reparo (FERNANDES, 2008).
Concluímos que os segredos fazem parte dos fenômenos sistêmicos os quais estão diretamente ligados aos relacionamentos interfamiliares. É necessário que o terapeuta tenha cuidado na sistematização de um segredo familiar, pois, às vezes, a família se estrutura a partir dele, ou seja, distorce ou mistifica os processos de comunicação. Tal cuidado possibilitará que pontes interpessoais rompidas sejam consertadas, assim como oportunidade para o crescimento pessoal dos membros e da família como um todo.
Assim, o terapeuta que trabalha com vítimas da violência doméstica precisa estabelecer uma atitude empática, a fim de possibilitar a superação do sofrimento gerando uma perturbação na rede de multideterminações dos padrões relacionais, levando a uma nova forma de organização familiar, permeada pela autonomia e respeito.
REFERÊNCIAS
ANDOLFI, M. ; ANGELO, C. ; MENGLI, P. E NICOLO-CORIGLIANO, A. N. Por trás da Máscara Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas,1984.
FERNANDES, Carine Suder. CREPALDI, Maria Aparecida. Terapia familiar breve em programas que atendem famílias vitimadas pela violência: uma proposta de intervenção. 2008. 89f. Monografia (Especialização em Terapia Relacional Sistêmica) – Familiare Instituto Sistêmico, Florianópolis, 2008.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 22 de nov. de 2009.
MASON, Marilyn J. Vergonha: reservatório para os segredos na família. In: IMBER-BLACK, Evan e (col.). Os segredos na família e na terapia familiar.; trad. Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. p. 40-54.
MINUCHIN, S. e FISHMAN, H. C. Técnicas de Terapia Familiar. Trad. Claudine Kinsch e Maria Efigênia F. R. Maia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
MINUCHIN, Salvador. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
REICHENHEIM, Michael Eduardo; DIAS, Alessandra Silva e MORAES, Claudia Leite. Co-ocorrência de violência física conjugal e contra filhos em serviços de saúde. Rev. Saúde Pública [online]. 2006, vol.40, n.4, pp. 595-603. ISSN 0034-8910. doi: 10.1590/S0034-89102006000500007. http://www.scielo.br/scieloOrg/php/reference.php?pid=S0034-89102006000500007&caller=www.scielo.br&lang=pt
Acesso em: 22 de nov. de 2009.
[i] Acadêmicas do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
[ii] Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
[iii] CHAUÍ, M.Uma ideologia Perversa. Folha de São Paulo: Sumus, 1986.