O desejar, o recear, o amedrontar-se, o afligir-se fundamentam-se no “cuidado, ou preocupação por algo”, que é inerente ao nosso existir no mundo.
Forghieri
Marleide Canedo de Oliveira[i]
O tema para o artigo Adolescência e o Ser-aí partiu do ponto de vista das perspectivas do adolescente quanto o ser-no-mundo, o estar lançado no e para o mundo e suas possibilidades existenciais.
Pensar o adolescente, a sua construção e o seu processo existencial é considerá-lo de forma mais ampla nos seus conflitos, nos seus desencontros, que podem surgir nessa fase, que representa intensas transformações.
Segundo Erikson (1976, p. 128), “a fase de adolescência torna-se um período ainda mais acentuado e consciente, e, como sempre aconteceu em algumas culturas, em certos períodos, passou a ser quase um modo de vida entre infância e a idade adulta.” Assim, nos últimos anos de escolaridade, os jovens, assediados pela revolução fisiológica de sua maturação genital e a incerteza dos papéis adultos à sua frente, parecem muito preocupados com as tentativas mais ou menos excêntricas de estabelecimento de uma subcultura adolescente e com o que parece ser mais uma final do que uma transitoriedade ou, de fato, inicial formação de identidade.
Nesse sentido, o adolescente pode, diante de transformações que ainda não definam a sua posição na sociedade e diante de si mesmo, sentir-se confuso quanto à construção da sua identidade. A identidade também representa a imagem que tem do seu corpo, a imagem de si mesmo, a imagem que cria em torno do que os outros pensam e as extensões do seu corpo, podendo confrontar-se com o paradoxo do ser adolescente e o de ser adulto, que ainda não se consolidaram.
Conforme Erthal (1990, p. 59), o corpo é a parte mais material e visível do eu e desempenha um grande papel nas percepções. É o sentido do eu físico, que garante a existência do indivíduo. Assim, a noção do corpo é essencial para a consolidação da identidade. As sensações e os movimentos dão a consciência constante de quem a pessoa é, pois, à medida que se experimenta no mundo, vai se conhecendo.
Segundo a autora, não necessariamente a noção do eu seja resumida apenas nas sensações corporais, uma vez que, antes mesmo de reconhecer seu próprio corpo, a criança já reconheceu a imagem dos outros. Isso implica que o reconhecimento do corpo se dá mediante o reconhecimento de outros elementos para então efetuar o seu eu e sua integração. Assim, ao abordarmos o adolescente e suas transformações, podemos considerar como fundamental para a sua formação a auto-imagem, confirmação de si mesmo perante o mundo. O reconhecimento do outro representa para o adolescente o reconhecimento de suas possibilidades e a sua abertura existencial.
O ser-aí do adolescente, aberto às múltiplas possibilidades, embora sendo amplas, confronta-se com o limite do possível e do não possível, necessários para efetuar as suas escolhas.
De acordo com Augras (2000, p. 76), o homem cria seu mundo à sua imagem e semelhança. Não o explica apenas, como também o organiza, pois os símbolos que elabora para descrevê-lo vão servir para dominá-lo. Eis a profunda ambigüidade do relacionamento que o homem estabelece com o mundo e consigo próprio. Constrói sistemas simbólicos que têm a propriedade de transformar o real imediato em conjunto de abstrações, mas essa transfiguração é requisito indispensável para atuar sobre a realidade.
Conforme o atendimento com a adolescente A. L., de 13 anos, fui levada a observar, de maneira a suspender intenções pré-existentes, o ser que ali se apresentava. Foi mediante, ou seja, partindo de uma intenção livre de qualquer intenção, que pude apreender o fenômeno ser-aí da adolescente nessa fase e suas implicações. Atenta ao relato trazido pela jovem, sua postura, seu olhar e suas expressões faciais, no decorrer das sessões, foi possível, pouco a pouco, o revelar das angústias presentes nesse período. O medo, a ansiedade, a pré-ocupação de se preocupar com algo ainda por vir, a desconfiança de si mesma, mediante a desconfiança do outro, a não liberdade para escolher e a pouca maturidade de saber o valor da escolha foram, a meu ver, o pedido de ajuda da adolescente. Ao mesmo tempo, o conflito de vivenciar a separação dos pais, de maneira dolorosa, não ter um lar de origem, e também um espaço para vivenciar a sua particularidade e sua singularidade foram relatos de grande peso na fase existencial. Para melhor compreender a situação trazida pela adolescente, utilizei o distanciamento reflexivo como tentativa de captar o sentido e o significado de sua vivência.
No entanto, a abertura existencial possível ao movimento do ser-aí se fez presente durante as sessões. À medida que a adolescente ia expondo sua vida cotidiana, suas expectativas, seus anseios e suas vontades, foi se revelando um ser potencialmente aberto às possibilidades existenciais.
Para Heidegger citado por Augras (2000, p.76), “o discurso situa-se no mesmo nível existencial original que o sentimento da situação e da compreensão […] Enquanto compreensível no modo do sentimento da situação, o ser no mundo exprime-se pelo discurso”. O discurso e a sua manifestação, a fala, são um aspecto integrante da revelação do ser no mundo como tal. A consciência de realidade implica na compreensão, na explicitação e no enunciado. O discurso, então, apresenta-se como meio de revelar a ambigüidade do ser no mundo, buscando superá-lo sob o aguilhão da angústia, alcançando certo equilíbrio num sistema de tensões.
Ao abordar o ser-aí do adolescente numa perspectiva existencial, devemos considerar a sua vivência cotidiana, a situação e o momento atual, em que intensas transformações estão ocorrendo. O adolescente, mediante compreensão da situação que atravessa, pode melhor definir o que se passa consigo e, dessa forma, atribuir à situação vivencial um significado que possa auxiliá-lo nesse processo.
Ainda, num sentido de tentar compreender a fase do adolescente, deve-se considerar fatores da influência cultural na vida e nas transformações dos jovens. Segundo Erthal (1993, p. 62), o eu ideal recebe grande influência cultural. O indivíduo aprende, como os pais, a definir o mundo em função de sua cultura. Eles o auxiliam a desenvolver o eu por meio de identificações que devem ou não ser feitas. Os aspectos desejáveis são distinguidos dos indesejáveis pelos castigos e prêmios administrados. A percepção de tais experiências conduz ao desenvolvimento da concepção daquilo que se deve ser. Os valores e os tabus culturais vão fazendo parte da própria realidade do indivíduo.
As considerações em relação aos adolescentes podem partir de um cuidado nessa fase de desenvolvimento, considerando seus medos, anseios, dúvidas e outros. No início, o adolescente ainda carrega muito da criança, necessitando de um olhar atento quanto a isso. Na medida em que vai se desenvolvendo, a compreensão também tende a aumentar e assim, sucessivamente, vai se constituindo o adulto.
Conforme Heidegger (1989, p. 186), é preciso explicitar a constituição desse ser. Na medida, entretanto, em que a existência constitui a essência desse ente, a frase existencial “a pre-sença é a sua abertura” diz, ao mesmo tempo, que o ser em jogo no ser deste ente deve ser o “pre” de pre-sença. De acordo com a tendência da análise, além de se caracterizar a constituição primordial do ser da abertura, é preciso interpretar o modo de ser em que esse ente é cotidianamente o pre de sua pre-sença.
Para o Psicoterapeuta Existencial, as mudanças ocorridas com o adolescente são uma abertura que representa a entrada para a vida adulta de maneira saudável, se assim o adolescente for levado a se compreender mediante os fenômenos naturais, culturais e sociais relativos ao seu processo existencial.
REFERÊNCIAS
AUGRAS, Monique. O Ser da Compreensão: Fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 9ª ed.CIDADE: Vozes, 2000.
ERIKSON, H. Erik. IDENTIDADE. Juventude e Crise. Tradução de Álvaro Cabral. 2ª ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1976.
ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia Vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1989.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1989.
NOTA DE RODAPÉ
[i]Aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto.