Renata Carvalho Armond [i]
Como processo psicoterápico, a ludoterapia envolve jogos e brincadeiras como forma de auto–expressão, dando a oportunidade ás crianças que as vivenciam de se libertarem de seus sentimentos e problemas por meio do brincar (ou) dos brinquedos (AXLINE, 1972).
De acordo com Axline (1972), a Ludoterapia pode ser conduzida de duas maneiras: (1) diretiva, o terapeuta conduz o atendimento por meio de orientações e interpretações; (2) não – diretiva, própria da gestalt, sendo que nela a criança conduz o tratamento. Neste artigo será abordada a metodologia não-diretiva.
Utilizando-se dos princípios da teoria humanista de Carl Roger, o terapeuta aceita seu cliente incondicionalmente e permissivamente, abandonando suas premissas e reservas pessoais. Acredita-se que o ser humano possua uma capacidade interior de se autodirigir, portanto podemos pensar na alteração do termo de condução da ludoterapia não-diretiva para autodirigida, isto é: o próprio sujeito conduz o tratamento.
Isso acontece segundo a abordagem gestáltica, uma vez que para ela o indivíduo é um ser de potencialidades em busca de sua auto- realização, contudo, para que isso ocorra, é necessário que este tenha completa aceitação de si e dos outros, direcionando seu processo de amadurecimento para a inteira liberdade e responsabilidade sobre suas escolhas (AXLINE, 1972).
A mesma autora compara a personalidade dos indivíduos com os pedaços de vidro colorido de um calidoscópio, em que, à medida que o tubo é girado, uma nova forma se configura. Assim também acontece com a personalidade, pois essa vai se estruturando a cada mudança de forças psicológicas e ambientais. Dessa forma, as pessoas reagem de maneiras diferentes, a partir do que vai sendo adquirido como bagagem de experiências, e, dessa forma, vão modificando seu comportamento (AXLINE, 1972).
Axline (1974) afirma que a Ludoterapia se dá no propósito de conduzir a criança ao seu desenvolvimento saudável, percebendo seus sentimentos, reconhecendo seu corpo, identificando, aceitando e verbalizando-os em congruência com a imagem do seu eu verdadeiro. De acordo com a autora,
A Ludoterapia não-diretiva, como foi dita antes, pode ser descrita como uma oportunidade que se oferece á criança de poder crescer sob melhores condições. Sendo o brinquedo seu meio natural de auto-expressão lhe é dada a oportunidade de brincando, expandir seus sentimentos acumulados de tensão, frustração, insegurança, agressividade, medo, espanto e confusão (AXLINE, 1972, p. 14).
Para que esse processo ocorra, segundo Axline (1972), o terapeuta deve estabelecer um amistoso rapport com a criança, aceitando-a e permitindo que essa perceba a sala de Ludoterapia como um lugar onde ela está livre de repressões e críticas, sentindo-se a pessoa mais importante daquele local.
Para Aguiar (2005), na Ludoterapia gestáltica, o terapeuta utiliza-se da linguagem descritiva com seu cliente, fazendo com que esse reconheça seus sentimentos e o aceite, configurando a imagem de si.
Exemplificando a Ludoterapia não-diretiva, encontramos um exemplo clássico do tratamento e sua eficácia no livro Dibs- Em busca de si mesmo da autora Axline (1976).
O livro conta a história de um garoto de cinco anos, que apresentava sérios problemas comportamentais, mostrando–se bastante agressivo e anti–social, aparentando debilidade mental. Na escola, os professores e diretores não sabiam mais o que fazer, pois, embora apresentasse algumas melhoras, elas não eram suficientes e todos se sentiam desafiados por aquela criaturinha tão enigmática.
Buscando alternativas, a escola convida Virginia Axline para observar a criança e sua mãe e possibilitar um diagnóstico e intervenção para aquele caso. Assim, a psicoterapeuta inicia o processo de ludoterapia com a criança e relata suas sessões.
Dibs, por meio do brinquedo, começa a expressar seus sentimentos, depositando muitas vezes sua raiva do pai em um boneco de plástico e desabrochando-se em seu processo de busca em si mesmo. Com a ajuda da terapeuta, o garoto encontra seu caminho, demonstrando muito potencial cognitivo e afetivo.
A história emociona o leitor pela sutileza do tratamento, que leva o garoto a exteriorizar o que lhe desagradava, revelar uma força interior que o motiva a se desenvolver e aceitar a si e ao próximo.
Embora a obra nos revele vários exemplos sobre a utilização da linguagem descritiva na Ludoterapia, escolhemos um diálogo que nós ilustrará a abordagem:
-Estes dois homens estão com bandeiras, continuou, apontando para as duas figuras.
Enfileirou-os todos ao lado do depósito de areia.
-Todos estes tem arma. E estão disparando-as. Felizmente para o outro lado da sala.
– Você quer dizer que todos estão atirando na mesma direção?
Dibs encarou-me. Fitou os soldadinhos e inclinou a cabeça.
– Eles não estão atirando em você, gritou com firmeza.
– Compreendo. Eles não estão atirando em mim.
– É isto mesmo, confirmou Dibs.(AXLINE, 1976, p. 66)
A conversa acima demonstra-nos como o terapeuta conduz sua fala para colocar a criança em congruência com seus sentimentos e desejos. A partir do momento em que repetirmos para ela o que disse ou sentiu, possibilitamos que a mesma entre em contato com seus sentimentos e possa expressá-los. Portanto é essencial que a relação terapêutica seja estabelecida com empatia e, assim sendo, é fundamental que nos coloquemos em seu lugar para captarmos e exteriorizarmos o que ela está sentindo.
De acordo com Aguiar (2005), esta intervenção pode ser feita por meio de uma descrição literal da fala da criança (material trazido) ou com perguntas e propostas (sugestões), convidando-a a descrever suas experiências. Por exemplo, a partir de um desenho que a criança descreve como “É um homem e uma mulher discutindo e uma menina debaixo de um coqueiro num dia de sol”, podemos utilizar a seguinte intervenção: […] “Então você fez um desenho onde dois adultos estão discutindo enquanto uma criança se encontra embaixo de um coqueiro, num dia de sol” (AGUIAR, 2005, p. 188 -189).
Para Aguiar (2005), essa intervenção também poderia ocorrer em forma de perguntas, questionando a criança sobre o que esses adultos estão discutindo, o que a criança faz debaixo do coqueiro e se esta criança conhece este homem e esta mulher (AXLINE, 2005, p. 191). Cabe ao terapeuta escolher a intervenção mais apropriada para o momento da sessão, visando elementos importantes de sua história.
Após conhecer a prática da Ludoterapia gestáltica, é possível perceber a importância do brincar no desenvolvimento das potencialidades humanas na criança. Por meio de jogos e brincadeiras, essa entra na mais profunda fantasia, revelando suas angústias, medos, aflições, felicidades e sonhos – em um ambiente onde tudo é permitido e aceito. Não há limites e barreiras que não possam ser quebrados com a força do desejo de um ser em evolução.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Luciana. O processo terapêutico em Gestalt – terapia com criança. In: Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. Campinas (SP): Livro Pleno, 2005, p. 186 – 237.
AXLINE, Virginia Mae. Ludoterapia: o método de ajudar crianças a se ajudarem. In: Ludoterapia: A dinâmica interior da infância. 1° Ed. Belo Horizonte (MG): Interlivros, 1972, p. 9 – 48.
AXLINE, Virginia Mae. Dibs: Em busca de si mesmo. 12.ed. Rio de Janeiro (RJ): Agir, 1986, p. 290.
NOTAS DE RODAPÉ
[i]Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Natércia Acipreste Moura.