“Um homem deixará seu pai e sua mãe – segundo o preceito bíblico – e se apegará à sua mulher; então, se associam afeição e sensualidade”.
Sigmund Freud
Monique Ferreira Ribeiro[i]
A partir da prática de estágio curricular na abordagem psicanalítica, este artigo tem como objetivo apresentar um caso clínico, atendido por mim na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, subsidiado pela teoria psicanalítica freudiana da sexualidade masculina diante da escolha do objeto sexual.
O cliente do sexo masculino, de 46 anos, chega encaminhado à Clínica de Psicologia com diagnóstico médico de Síndrome do Pânico, porém esta questão não foi demandada por ele nos atendimentos realizados.
Separado há 6 anos, de um casamento de 11 anos, o cliente tem 2 filhos adolescentes que moram com a ex-esposa. Atualmente mora sozinho, sem nenhuma companheira, e tem uma criação de gatos. O cliente relata que se acostumou a viver sozinho após o fim do casamento. Passou a criar gatos, porque são animais solitários e independentes, mantendo uma relação afetuosa com os mesmos.
Para a preservação da identidade, e como analogia a este elemento trazido pelo cliente durante as sessões, aqui o cliente será denominado como o “Homem dos gatos”.
Com o decorrer das sessões, o cliente revela que é a hora de deixar de ser o homem dos gatos, de ficar fazendo carinho em gatos e pensar mais em si próprio e até na possibilidade de ter uma nova companheira, já que seus relacionamentos desde o fim do casamento, foram subsidiados pela corrente sexual, sem que haja nenhum envolvimento de afeto ou amor. Relata que, desde a separação a ex-esposa já teve vários relacionamentos, e ele nunca se envolveu afetivamente com nenhuma outra mulher.
A escolha de objeto, que é tão estranhamente condicionada, e esta maneira extremamente singular de se comportar no amor, têm a mesma origem psíquica que encontramos nos amores das pessoas normais. Derivam da fixação infantil de seus sentimentos de ternura pela mãe e representam uma das consequências dessa fixação (FREUD, 1910 [1970], p. 152).
O “Homem dos gatos” que mantém vários relacionamentos com mulheres ao mesmo tempo e estava namorando há poucos meses, descobre que terá mais um filho como uma dessas mulheres. O “Homem dos gatos” que não mantém nenhum tipo de relação amorosa com as mulheres com as quais se relaciona, declara que não sabe o tipo de sentimento que terá por essa criança, já que acredita na instituição familiar e na convivência como fatores determinantes para que haja amor para com um filho. Segundo suas próprias palavras, “só o tesão não basta” para morar junto com essa mulher, que será a mãe de seu filho.
De acordo com Freud (1912 [1970]), para um comportamento amoroso completamente normal, é necessária a união de duas correntes, a corrente afetiva e a sensual. A corrente afetiva forma-se nos interesses da pulsão de autopreservação, e corresponde à escolha de objeto primária da criança. As fixações afetivas persistem por toda a infância e se dirigem aos membros que fornecem o cuidado à criança, que, ao conduzir ao erotismo, traz como conseqüência o desvio dos objetivos sexuais.
Com a puberdade e a emergência da fase adulta (corrente sensual), os novos objetos ainda serão escolhidos ao modelo dos objetos infantis, mas, com o decorrer do tempo, atrairão para si a afeição que se ligava aos mais primitivos. Com a corrente sensual, os objetos da escolha infantil entram em catexia com doses de libido para que encontrem uma verdadeira vida sexual. “Um homem deixará seu pai e sua mãe – segundo o preceito bíblico – e se apegará à sua mulher; então, se associam afeição e sensualidade” (FREUD, 1912 [1970], p. 165).
De acordo com Freud (1912 [1970]), quando não há junção entre as correntes afetiva e sensual, estamos falando de uma impotência psíquica, na qual as pessoas que apresentam este estado procuram objetos que não precisam amar, e mantêm uma atividade sexual com sinais muito evidentes, porém, muitas vezes, não propriamente executada e não acompanhada de muito prazer.
A principal medida protetora contra essa perturbação a que os homens recorrem nessa divisão de seu amor consiste na depreciação do objeto sexual, sendo reservada a supervalorização, que normalmente se liga ao objeto sexual, para o objeto incestuoso e seus representantes. (FREUD, 1912 [1970], p. 166).
O “Homem dos gatos” declara que não sofrerá mais como sofreu com o término do seu casamento, pois era uma dor que doía no corpo. Conforme o cliente, agora está calejado quando o assunto é casamento e relacionamentos. Não pretende mais se casar e afirma a possibilidade de ainda amar a ex-exposa.
A psicanálise revelou-nos que quando o objeto original de um impulso desejoso se perde em conseqüência da repressão, ele se representa, freqüentemente, por uma sucessão infindável de objetos substitutos, nenhum dos quais, no entanto, proporciona satisfação completa. Isto pode explicar a inconstância na escolha de objeto, o anseio pela estimulação, que tão amiúde caracterizam o amor dos adultos. (FREUD, 1912 [1970], p. 171).
Para Freud (1912 [1970]), a civilização faz uma restrição ao amor que envolve a tendência universal à depreciação dos objetos sexuais, vinculada essa a uma possibilidade de satisfação sexual. Mas mesmo com os substitutos dos objetos sexuais devido à interrupção da barreira contra o incesto, é impossível que a pulsão sexual produza satisfação completa e se mantenha constante na escolha do objeto sexual.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund (1910). Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos. Um tipo de escolha de objeto feita pelos homens (Contribuições à psicologia do amor I). Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XI. Rio de Janeiro: Imago, 1970, p. 147 – 159.
______. (1912). Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos. Sôbre a tendência universal à depreciação na esfera do amor (Contribuições à psicologia do amor II). Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XI. Rio de Janeiro: Imago, 1970, p. 160 – 173.
NOTAS DE RODAPÉ
[i] Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa.