Ivanilda Basílio Felisberto[i]

 

O sintoma foi o que despertou em Freud a necessidade da psicanálise. Sua curiosidade levou-o a querer investigar um sintoma específico: o sintoma histérico. Ao permitir a escuta desse sintoma, foi descoberto um sujeito que se encontrava com dificuldades em se expressar. Freud descreve o sujeito mediado pelas leis da linguagem, por ele nomeadas de condensação e deslocamento; enquanto Lacan denomina-as com os termos de metáfora e metonímia.

Para a psicanálise, o sintoma é o substituto de alguma coisa que não aconteceu, precisamente de uma satisfação pulsional que não se deu. Pode-se também entender que o sentido do sintoma é inconsciente.

La Sagna (1996) estabelece a diferença entre o sintoma médico e o analítico, em que este, mesmo encontrando ressonância no corpo, é sintoma de linguagem. O mesmo autor esclarece que o sintoma analítico submete-se à lógica do inconsciente, existindo uma “satisfação inclusa”, enquanto a “lesão psicossomática não obedece às leis da linguagem e às do inconsciente, ela não responde a uma estrutura metafórica. Ela obedece a uma simples alternância de presença-ausência”. É sugerido, então, o questionamento: “Qual é o gozo específico que sustenta esse sintoma mobilizável pela colocação em palavras, assim como pela interpretação do analista” (LA SAGNA, 1996, p. 62).

Na medicina, o sintoma é dotado de sentido e compete ao médico dar a sua significação, ou seja, ele deve ser decifrado, pois é signo de uma doença. Porém, na tarefa de decifração das queixas do paciente, o médico depara-se com situações em que as queixas não correspondem a alterações orgânicas. Conforme citado acima, nessa classe de sintomas, encontramos os sintomas histéricos de conversão. O corpo é afetado, mas não modificado.

Existem doenças que fogem ao alcance médico na sua causa, sintoma, tratamento ou prognóstico. Essas doenças, mesmo com a possibilidade de terem uma origem genética, mantêm-se fora de controle, podendo regredir ou avançar de maneira inesperada, respondendo desordenadamente aos medicamentos. La Sagna (1996) afirma que elas são conhecidas como psicossomáticas. Embora se apresente clinicamente, é sensível à palavra, podendo reagir positiva ou negativamente a essa.

Soler (1996) corrobora quando diz que Lacan, no Seminário 11, reelabora o conceito de sintoma e faz do mesmo “uma função que transforma o significante em uma letra de gozo” e não aproxima Fenômeno Psicossomático (FPS) e sintoma, só “encontra entre eles um ponto comum que é a referência ao escrito” (SOLER,1996, p. 66).

Apesar de manter precauções quanto ao estudo, Soler (1996), seguindo a orientação de Lacan, opõe o sintoma ao Fenômeno Psicossomático (FPS)

o que o FPS inscreve é um traço do gozo Outro, o que nos conduziria a uma distinção entre sintoma e FPS: um como insígnia do sujeito, e outro com insígnia, melhor dizendo estigma do Outro, no corpo como Outro. (SOLER, 1996, p.68)

O atendimento clínico de Reinaldo remete-nos ao mesmo questionamento: qual o gozo específico que sustenta seu sintoma de imunodeficiência, que o leva a repetidas crises respiratórias, alergias e um alto grau de sensibilidade a doenças diversas?

Reinaldo é o terceiro de uma família de cinco filhos. Explica o seu insucesso na vida à “porra estragada” de seu pai, pois foi gerado após seu pai ter sofrido um AVC.  Nesse contexto, culpa sua mãe, que não deveria ter engravidado de um homem doente. “Nessa época meu pai  era doente e não conseguia sustentar mais a família. Minha mãe não tinha que ter tido esses três filhos (ele e os dois irmãos mais novos). Os dois mais velhos tiveram a sorte de serem saudáveis e terem mais condições financeiras”. Observamos que há aí uma questão implícita sobre o gozo feminino. O que queria sua mãe ainda se deitando com um homem doente? Em relação ao pai, ele fica com a parte maldita, a “porra estragada”, signo de um excesso de gozo, que vai além do princípio de prazer.  

Recentemente, após internação de pouco mais de um mês, ficou diagnosticado Linfoma Gástrico, estágio IV, com infiltração medular. O tratamento precisou ser adiado devido a uma infecção decorrente de sinusite, surgida três dias após Reinaldo ter conhecimento de seu diagnóstico.

Assim, pode-se dizer que se encontra em Reinaldo um corpo afetado pela pulsão de morte, que traz o significante “o prejudicado” como marca de sua concepção.

 

Referências

FERREIRA, Roberto Assis. O Sintoma na Medicina e na Psicanálise – Notas Preliminares. Disponível em: <http://www.rexlab.ufsc.br:8080/more/index.jsp>. Acesso em: 30/09/2008.

 

Freud, S. (1912). Uma nota sobre o inconsciente em psicanálise. In: ESB das obras completas de Sigmund Freud. Imago, Rio de Janeiro, 1996. v. XII, p. 275-285.

 

Lacan J. Formulações sobre a causalidade psíquica. In: Lacan J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar; 1998.p.152-94.

 

SAGNA, Carole Dewambrechies-La. Opção Lacaniana. In: JORNADAS DO INSTITUTO DO CAMPO FREUDIANO, 17, 1996, Buenos Aires. Lesões Sensíveis à Palavra. Bueno Aires: Revista Brasileira, 1996. p. 60 – 62. Traduzido por: Maria Lúcia Sá Pacheco e Silva.

 

SOLER, Colette. Opção Lacaniana. In:  PRIMEIRAS JORNADAS DO INSTITUTO DO CAMPO FREUDIANO. 1994, Buenos Aires. Retorno sobre a Questão do Sintoma e o FPS. Bueno Aires: Revista Brasileira, 1994. p.66 a 68. Traduzido por: Maria Dolores Jordan Orfei Abe.

 

NOTAS DE RODAPÉ



[i] Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa.

E1- 16 QUAL O GOZO RECOBERTO PELO SINTOMA PSICOSSOMÁTICO?INVESTIGAÇÃO PARA ALÉM DO PRAZER

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