Betânia de Magalhães L. Cordeiro[i]

 

 Este artigo tem como objetivo apontar questões relativas a uma pequena articulação feita entre o recorte de um atendimento realizado na Clínica de Psicologia da Newton Paiva e a abordagem psicanalítica. Propõe-se discutir a questão da feminilidade e da maternidade de uma cliente.

Joana [ii] é uma mulher de 39 anos, separada há cinco anos e tem um filho dessa união. Atualmente mora com um companheiro. Na primeira sessão, Joana relata que procurou a clínica por indicação de uma amiga e de seu médico. Diz ser muito ansiosa e é hipertensa. Há um ano faz uso de medicamentos, mas conta que está pior agora. A cliente fala que teve uma crise de síndrome do pânico e foi parar no hospital.

Nas sessões que seguiram, J. relata que engravidou aos 17 anos e por isso, aos 18, casou-se com o pai do seu filho. Disse que sofreu muitos preconceitos por estar grávida na adolescência, mas que não se incomodou, pois seu filho seria tudo para ela. Disse que se sentia muito feliz.

A teorização de Freud liga maternidade e castração. Os processos que seguem o complexo de Édipo e da castração não são análogos em meninos e meninas, mas não deixam de ter seus efeitos. Para FREUD (1925), nas meninas, o complexo de Édipo é uma formação secundária. Elas são destinadas a fazer – uma significante descoberta, a de sua castração, pois não possuem o pênis. A menina atribui ao pênis uma função de signo de uma identidade sexual da qual se sente privada. Freud toma o complexo de castração como um fator específico na sexuação da menina.

Segundo Soler, para Freud, a feminilidade da mulher deriva de seu “ser castrada”: mulher é aquela, cuja falta fálica a incita a se voltar para o amor de um homem. Primeiro é o pai, ele próprio herdeiro de uma transferência do amor primordialmente dirigido à mãe, e depois o cônjuge.

Freud (1925) fala que o desenvolvimento da feminilidade deve se realizar na fase em que, decepcionada com sua mãe, a menina se volta para o pai. Embora no inconsciente persista o desejo do pênis, a menina simbolicamente o substituirá pelo desejo de um filho, e, nesse desígnio, toma o pai como objeto de amor. A mãe torna-se o objeto de seu ciúme. A maternidade, sob a perspectiva freudiana, é a via que conduz a menina para a feminilidade.

Segundo Freud (apud Soler 1937, p.35), o amor de um homem culmina no filho esperado, à margem da relação sexual, como único objeto “causa de desejo” para a mulher. O filho decerto é um objeto “a” possível para uma mulher, só que decorre da dialética fálica do ter, que não lhe é própria, e só raramente satura o desejo sexual; o ser propriamente feminino, se é que existe, situa-se noutro lugar.

Para FREUD (1976 [1932], p.163), a mãe somente obtém satisfação sem limites na sua relação com seu filho menino; este é, sem exceção, o mais perfeito, o mais livre de ambivalência de todos os relacionamentos humanos. Uma mãe pode transferir para o seu filho aquela ambição que teve de suprimir em si mesma, e dele esperar a satisfação de tudo aquilo que nela restou do seu complexo de masculinidade.

Certo dia J, já no final da sessão, fala que se recorda de quando sua crise de pânico se inicia. Ela conta que foi no dia em que o filho foi preso injustamente, segundo ela por engano, fala que dormiu na porta da delegacia, “tinha que levar meu filho embora comigo, entrei e arrumei um barraco, faço tudo para salvar ele, preferia ficar presa e ele solto”. A cliente relata que, a partir daí, ela nunca mais ficou tranqüila, conta que tem medo quando ele sai na rua à noite, que agora ele está separado da mulher e com isso sua preocupação aumenta. J. conta que todos os dias, quando sai do serviço, passa de ônibus no emprego do filho para ver se está tudo bem com esse, fala que o pai não se preocupa como  ela. Sua relação com o filho é melhor do que do filho com o pai, segundo ela.

Segundo SOLER (2003, p.94), conquistador da presença e do amor maternos, em função de sua própria demanda, o filho inicialmente se oferece, nos engodos da sedução, para realizar o que ditos e condutas da mãe deixam entrever do objeto de seu desejo. Assim a mãe é elevada à condição de potência simbólica, possuidora dos poderes da fala e, por conseguinte, dos poderes originários das primeiras frases.

Para SOLER (2003, p.97), na totalidade dos casos, é por sua fala que a mãe deixa sua marca. Mas a mãe não deixa de ser mediadora de um discurso em que não pode deixar de introduzir seus hábitos. E é aí que podemos diagnosticar a ascensão de sua dominação, no despedaçamento dos laços sociais contemporâneos.

É que, quanto mais as transmissões intergeracionais se reduzem unicamente às prescrições implícitas de seu desejo, muito especialmente do que ela deseja para o filho, mais este vê suas opções subjetivas em relação ao desejo do Outro reduzirem-se ao binário de uma alternativa: ou assumir o mandato materno, fazendo daquilo a que foi prometido no desejo dela uma vocação, ou rejeitá-lo e se inscrever sob uma marca de exclusão, só afirmando o que lhe resta de liberdade, portanto, sob a forma do negativo. (SOLER, 2003, p.97).

SOLER (2003, p.103) conclui que para a criança, a dedicação materna tem um valor tanto maior quanto mais a mãe não é toda sua, e quanto mais não está toda num alhures insondável: mas é preciso que seu amor de mulher esteja referido a um nome. Continuando, só há amor por um nome, LACAN(ano, apud SOLLER, 2003) dizia: no caso, o nome de um homem, que pode ser qualquer um, mas que, pelo simples fato de ser nomeável, cria um limite para a metonímia do falo, assim como para a opacidade do Outro absoluto. Só mediante essa condição é que a criança poderá ser inscrita num desejo particularizado.

J. é na verdade apenas mais uma das muitas mulheres que fazem de tudo para seus filhos e, muitas vezes, esquecem de seus outros papéis na sociedade moderna. Não é só pela via da maternidade que uma mulher encontra uma resolução para sua falta fálica.

LACAN( ano, apud SOLER,2003, p.95), mostra que podemos opor, numa mulher, a mãe e a mulher: a mãe que, de certo modo, por intermédio do filho, recupera o objeto de sua falta, e a mulher, que, na medida em que seu libido se dirige ao homem, coloca-se como despojada daquilo que procura nele.

Aqui não é a falta de amor que pode ser prejudicial, mas o seu excesso, que clama por um efeito de separação necessário. LACAN(ano, apud SOLER, 2003, p.95) enfatizou o desejo da mãe. Esse deve ser entendido como o desejo da mulher na mãe, desejo adequado para limitar a paixão materna, para torná-la mãe, ou, em outras palavras, não-toda para seu filho e até não-toda para a série de filhos, os rivais fraternos.

 

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund (1923 [1925]). O Ego e o Id e outros trabalhos. In: _____, Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 303-320. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22).

 

FREUD, Sigmund (1933 [1932]). A Feminilidade. In: _____, Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 139-165. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22).

 

SOLER, Collet. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, 245 p.

 

NOTAS DE RODAPÉ



[i] Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa.

 

[ii] Nome fictício para preservar a identidade do cliente.

E1-15 A MÃE E A MULHER

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *