Karin Santos Marra Kiefer[i]
Este artigo tem como objetivo investigar a relação entre o fracasso escolar e o ambiente familiar e escolar para subsidiar propostas de possíveis caminhos para a resolução de tal fenômeno patológico em nossas crianças, que hoje se encontram em uma sociedade imediatista e em constantes transformações.
À medida que foi instaurada a escolaridade obrigatória e a sociedade sofria mudanças radicais rumo à modernidade, o fracasso escolar passou a ser considerado patologia no final do séc. XIX. Essas mudanças passam a cobrar novos valores do desenvolvimento humano, entre os quais o êxito social, passando pelo desempenho escolar. A inserção social do sujeito que não cumpre esses novos paradigmas da modernidade e pós-modernidade fica comprometida, sendo, quase sempre, excluído ou desvalorizado
Então, buscar entender a questão do fracasso escolar requer buscar na sociedade, na comunidade escolar e, especificamente, na família como são as contingências nas quais a criança se encontra. Para isso a perspectiva humanista vem contribuir dizendo que:
A aprendizagem significante combina o lógico e o intuitivo, o intelecto e os sentimentos, o conceito e a experiência, a idéia e o significado. Quando aprendemos dessa maneira, somos integrais, utilizando todas as nossas capacidades masculinas e femininas (ROGERS, 1985, p. 30 -31).
De acordo com Rogers (1985), há dois tipos de aprendizagem, aquela por memorização, que não envolve sentimentos ou significados pessoais, não sendo contextualizada e por isso torna-se fútil. Já a aprendizagem experimental é significante, cheia de sentido, envolve, além da mente, tanto os pensamentos quanto sensações do aprendiz e por isso é criativa e duradoura.
Dessa forma, então, é necessário que se alinhem conhecimentos e instituições, como escola e família, para que a incongruência não prejudique o funcionamento organísmico do aluno. Segundo Rogers (1985, apud Gobbi, 2005, p. 20-21) vivências, inicialmente incongruentes, com a estrutura do self das crianças, são geradoras de ameaças, que provocam, por conseqüência, ansiedades. Essas ameaças fazem com que a criança –fique ciente seja de maneira plenamente consciente, seja de maneira subliminar – de que certos elementos de sua experiência não estão de acordo com a idéia que ela faz de si mesma, levando-a a inautenticidade. E toda vez que a ameaça se sobrepõe à autenticidade, abala a segurança emocional, a auto-estima e os verdadeiros objetivos da pessoa, tornando-a prisioneira da cadeia ameaçadora vivenciada no meio, impedindo a autenticidade e liberdade psicológica.
Fatos como esses, relacionados acima, elucidam a necessidade de ter para com o aluno uma visão holística de seu eu aprendiz, pois o fracasso escolar do aluno denuncia uma idiossincrasia entre o seu self e suas experiências. E essas, muitas vezes, são desconsideradas pelo ambiente escolar. De acordo com Gobbi (2005 apud ROGERS & KINGET, 2007, p. 56), o resultado do desacordo ou da incongruência entre o self e a experiência provoca desajustamento psíquico, deformando ou interceptando elementos importantes da experiência, originando conflitos, tensões e confusões.
O ambiente escolar e o familiar são determinantes no rumo da trajetória que o aluno escolhe, pois o primeiro deve reforçar e estimular potenciais e habilidades do aluno, mostrando a ele as possibilidades de sucesso, com o despertar para a aprendizagem, e a segunda é vital para a potencialização e segurança à tendência atualizante. E essa nada mais é do que um movimento natural de um organismo sadio, que procura manter o equilíbrio, ou seja, é uma reorganização da defesa contra a ameaça consciente. E o modo de enfrentamento à ameaça é definido à partir dos modelos defensivos de cada organismo, é aí, então, que entra a importância da relação parental e comunidade próxima, como modelo para tal defesa.
Segundo Rogers (1985), o ambiente, quando em harmonia, promove uma congruência entre experiência e sentimentos do self da criança, propiciando o aparecimento de recursos que promovem processos de aproximação com o aprendizado. Atividades que sinalizam estabilidade na vida familiar e práticas parentais que promovem a ligação família-escola são fatores que propiciam um bom desempenho escolar e potencializam o mesmo na criança.
Maturano (2006), seguindo a mesma visão, vem confirmar o dito acima ao pesquisar o inventário de recursos do ambiente familiar (RAF), que avalia recursos desse ambiente que contribuem para o aprendizado acadêmico nos anos do ensino fundamental em três domínios: recursos que promovem processos proximais (mecanismo primário do desenvolvimento humano); atividades que sinalizam estabilidade na vida familiar; práticas parentais que promovem a ligação família escola. Uma revisão da pesquisa efetuada desses recursos do ambiente familiar veio confirmar índices aceitáveis de consistência interna e associação entre escores do (RAF) e indicadores do desempenho escolar e ajustamento, quando há participação ativa e interação dos pais, em casa, com a vida de seu filho como um todo.
Ainda de acordo com a mesma autora, os pais e a família têm um papel importante na aprendizagem escolar das crianças, uma vez que o resultado da pesquisa desenvolvida sugere que os pais e a família, com envolvimento direto na vida escolar dos filhos, são preditores significativos de progresso acadêmico. Na pós-modernidade, o que observamos são os mesmos atribuindo à escola papéis que somente a eles, pais, pertencem. Dessa forma, com esse distanciamento da vida escolar do filho, muitos pais só tornam-se presentes com o fracasso na aprendizagem do mesmo. Deve-se atentar para o fato que, de uma forma ou de outra, a criança sente a necessidade de uma interação com os pais, mesmo que obtenha a atenção dos mesmos somente ao fracassar.
A escola, por sua vez, despreparada para tal acolhimento, por vários motivos, não promove uma aprendizagem significante na qual os professores sintam-se suficientemente seguros interiormente e em seus relacionamentos pessoais, de modo a confiarem na capacidade de outras pessoas de pensar, sentir e aprender por si mesmas, a ponto de instigar nas crianças interesse pela aprendizagem. Quando esta segurança existe, o professor facilita a aprendizagem, compartilhando responsabilidades, explorando interesses, promovendo a organização do próprio aluno, promovendo a disciplina como conseqüência da tendência à aprendizagem desenvolvida no aluno a partir dessa atmosfera instigadora na qual o aluno descobre a aprendizagem.
É relevante salientar o que Rogers (1973) diz:
Num ensino centrado no estudante, a partir de um clima facilitador, o próprio aluno se faz, se realiza, torna-se ele mesmo. Para tanto, a educação parte dos problemas reais do aluno, de sua motivação pessoal.
Um dado fundamental advindo desta modalidade de atuação é a facilitação da responsabilidade. Isto possui profundas repercussões políticas que tocam questões como estrutura e modelos de escola, papel do professor, bem como as relações de poder (ROGERS, 1973, citado por GOBBI, 2005, p. 29).
Nesse contexto de pós-modernidade, é necessário que se tenha uma ética de responsabilidade com o futuro. Precisa-se promover o desenvolvimento do auto-conceito no aluno, de forma que a avaliação que ele faça de si mesmo e de suas atitudes, capacidades e qualidades, falhas, possibilidades, limitações, tenham como base os juízos de valor e avaliação no que diz respeito ao seu próprio comportamento. Para tanto usa-se, como modelo de avaliação, figuras parentais, que, quando não congruentes com a experiência vivenciada e com a realidade do self da criança, provocam um alto grau de discrepância entre o self ideal e o self real e, conseqüentemente, o fracasso proporcional na adaptação devida à distorção do autoconceito.
De acordo com Tedesco (2006), é preciso tentar superar dois aspectos críticos do paradigma cognitivo tradicional pós-moderno, como a fragmentação imposta pela lógica das disciplinas e o imediatismo dos enfoques de curto prazo e a ênfase tecnocrática nos procedimentos.
Para tal superação, a instituição família-escola deve alinhar-se, pois de acordo com Rogers:
Quando um facilitador cria, mesmo em grau modesto, um clima de sala de aula caracterizado por tudo que ele pode conseguir de autenticidade, apreço e empatia, quando confia na tendência construtiva do indivíduo e do grupo, descobre então que inaugurou uma revolução educacional. Ocorre uma aprendizagem de qualidade diferente, avançando num ritmo diferente, com um grau maior de abrangência. Os sentimentos – positivos, negativos, confusos – tornam-se parte da experiência da sala de aula. A aprendizagem se transforma em vida, numa vida até mesmo muito viva, o estudante acha-se a caminho, às vezes excitadamente, às vezes relutantemente, de tornar um ser em mudança, de aprender (ROGERS, 1985, p. 135).
A escola, com o apoio governamental, deve subsidiar programas de apoio aos pais de crianças com dificuldades escolares, com profissionais especializados, que visem proporcionar meios de ajudar aos pais a otimizar recursos, já disponíveis no contexto familiar, de modo a despertar na criança a verdadeira aprendizagem que é auto-apropriada e autodescoberta, melhorando, assim, também, a qualidade de apoio ao desenvolvimento dos filhos.
REFERÊNCIAS
GOBBI, Sérgio Leonardo. Vocabulário e noções básicas da abordagem centrada na pessoa. 2ª Ed. São Paulo: Vetor, 2005.
MATURANO, Edna Maria. O inventário de recursos do ambiente familiar. São Paulo, 2006. 1-16 p. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722006000300019> . Acesso em 14/10/2008.
ROGERS, Carl. Liberdade de Aprender em nossa Década. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
ROGERS, C. R. Liberdade para Aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1973 apud GOBBI, Sérgio Leonardo.Vocabulário e noções básicas da abordagem centrada na pessoa. 2ª Ed. São Paulo: Vetor, 2005.
ROGERS, C. R. & KINGET, G.M. Psicoterapia e relações humanas. Belo Horizonte: Interlivros, 1977.
TEDESCO, Juan Carlos. Uma ética de responsabilidade com o futuro. São Paulo, 2006. 1 – 13 p. Disponível em: <http://www.congressomoderna.com.br/docs/juantedesco.doc.> Acesso em 14/10/2008.
NOTAS DE RODAPÉ
[i]Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maria Luiza.