Cláudia Márcia de Lima[i]
A adolescência é um tema que desafia teorias e, ao mesmo tempo, impõe aos adultos o desafio de explicar e lidar com o adolescente. Lidar com a adolescência é lidar com o futuro, portanto conhecer a evolução e características dessa fase ou processo passa a ser uma conduta fundamental.
Numa visão histórica e antropológica, a adolescência é designada como um fenômeno que se apresenta numa determinada fase da vida do sujeito, com evolução e características próprias, um processo de passagem da infância à vida adulta, em que o adolescente tem que deixar um passado definido e ingressar num futuro ainda por engendrar. Nessa fase, o adolescente enfrenta alterações psíquicas, mudanças corporais e alterações de papéis sociais, encontram-se vulneráveis e extravasando energia, surgindo ainda uma necessidade de competição e a habilidade de teorizar em termos adultos, manifestando o pensamento formal e o pensamento abstrato. Tudo isso acaba provocando uma crise entre os conflitos internos e a organização social.
A adolescência recebe interpretações e significados diferentes, dependendo da época e da cultura na qual está inserida, pois as dimensões psicológica e social são vivenciadas de maneiras diferentes em cada sociedade, em cada geração, em cada família e também de modo singular por cada indivíduo.
Etimologicamente, a palavra adolescência tem origem latina, provém do verbo “adolescerê”, que significa brotar, fazer-se grande. Em termos de idade, não existe um consenso determinando o período exato de duração da adolescência, porém a maioria dos autores concorda com a idéia de que a fase inicia-se por volta dos 12 anos e termina por volta dos 18 anos.
Adolescentes são pessoas que manifestam em sua conduta as diferentes, variadas e típicas consequências da evolução biopsicossocial que neles se processa, e dentro da qual se ressaltam as importantes modificações anátomo-fisiológicas e psicológicas, ponto de partida dos fenômenos de dessimbiotização/individuação e busca de identidade (SILVA,1988).
Desde a antiguidade já se discute a adolescência. Na Antigüidade Clássica grega e romana, o culto ao herói e à competência física eram muito valorizados, o espírito era cultivado e a autoridade do pai era incontestável, com direito de vida ou morte sobre os filhos. Para os hebreus e outros povos nômades e pastores, a religiosidade monoteista refletia a imagem do pai autoritário.
Na Índia, o budismo pregava o desapego, a auto-contemplação, o sistema rígido de castas assegurava a organização social, já prevendo o futuro para os adolescentes. Na China, o pai tinha o poder e autoridade absolutos sobre os filhos, o futuro do adolescente estaria bem delineado, seria honrar e cultuar os seus antepassados.
Na Idade Média, surge a figura do cavaleiro como um ideal da juventude da época, o guerreiro que salva donzelas em perigo. Com a moral cristã se popularizando na Europa surge a divisão de duas classes de mulheres: a santa como a Virgem Maria e a devassa e tentadora como Eva.
Na Modernidade, há uma retomada do ideal grego de beleza e juventude. A velhice vai sendo desprestigiada por ser equiparada à inutilidade. O imediatismo torna-se um espaço de planejamento de vida, em que o que importa é o presente, o aqui e agora. Há nesses tempos um declínio das funções familiares, com o aumento da impunidade, as normas sociais tornam-se indefinidas, configurando-se na legitimação cultural do desvio.
A adolescência surge de uma forma nova durante o século XIX, o adolescente teria um funcionamento particular, diferente da criança e do adulto. Hoje os jovens já se identificam com esse significante. A adolescência tornou-se, com o passar dos anos, um traço identificatório, razão pela qual a psicanálise deve se dedicar a esse assunto.
Segundo Silva (1988), o modelo freudiano aponta que adolescentes são sujeitos com necessidade de catarse, conflitantes entre seus instintos e convenções morais. Sentem como dominação a prolongada dependência, além da maturação biológica.
Nossa sociedade coloca ênfase na natureza não sexuada, impondo restrições sociais na expressão sexual da criança, impedindo e camuflando questões como nascimento, relações sexuais, menstruação, evacuação, masturbação, virgindade, abstinência, fazendo com que o adolescente se veja sem condições de enfrentar simbolicamente as questões surgidas na puberdade.
Dessa forma, é necessário distinguir o “fenômeno adolescência” do “sujeito adolescente”, as explicações antropológicas e sociológicas do aspecto psicológico que caracteriza a adolescência. A Psicanálise vai compreender o sujeito adolescente, resguardando a particularidade de cada um, na sua relação com o sexo na época da puberdade. Neste momento, o sujeito será tomado pelo despertar sexual, sempre traumático face à imaturidade para responder às questões que se apresentam ao adolescente: “quem sou eu?, “sou um homem?”, “sou uma mulher?”.
A Adolescência geralmente coincide com o que chamamos de puberdade, período de desenvolvimento sexual de homens e mulheres, caracterizado pela capacidade de procriação e pela maturação sexual. Nesse período, há o aparecimento de características sexuais secundárias e outras transformações físicas. Outra grande transformação é a mudança da vida sexual infantil para a sua configuração normal adulta. Para Freud, tanto as transformações corporais quanto as psíquicas estão compreendidas sob o termo puberdade.
Até esse momento, a pulsão sexual era predominantemente auto-erótica, agora, encontra o objeto sexual. Até ali, ela atuava partindo as pulsões e zonas erógenas distintas que, independendo umas das outras, buscavam um certo tipo de prazer como alvo sexual exclusivo. Agora, porém surge um novo alvo sexual para cuja consecução todas as pulsões parciais se conjugam, enquanto as zonas erógenas subordinam-se ao primado da zona genital. (Freud, 1996, p. 196)
A adolescência tem como referência as transformações em dois eixos: o de ordem genital e outro da ordem da forma do corpo. O adolescente tem que refazer o conhecimento que tem de seu corpo, o qual se tornou um desconhecido para ele, primeiro por lhe proporcionar novas sensações, sobretudo genitais, segundo pelo jogo modificado do sistema ósteo-articular, das dimensões, dos limites de seu envelope corporal, desconhecido dos dados corporais genitais e pré-genitais.
Os trabalhos psicanalíticos admitem que existe uma sexualidade pré-genital na infância e que a adolescência introduz a sexualidade genital, com a reativação do complexo edípico. É na separação dos pais ou nos conflitos que essa separação propicia, que recai nossa atenção, pois o indivíduo se separa para se individualizar.
De acordo com a teoria psicanalítica, portanto, a adolescência em momento algum implica, necessariamente uma separação dos pais, tal como entendida pela teoria da separação-individuação, nem tampouco implica a dificuldade de separação dos pais ou ainda a procura de uma auto-identidade. O que normalmente é chamado de separação dos pais é um movimento descrito por Freud antes como precursor à latência, ou seja, anterior mesmo à puberdade, e que implica a incorporação dos pais. Essa incorporação se dá através de uma identificação com os pais, que assim internalizados, passam a integrar o supereu, herdeiro do Complexo de Édipo. A dificuldade da adolescência dependeria então da própria ferocidade desse supereu, que, quanto mais terrível, tanto maiores as dificuldades do sujeito, maiores os conflitos que teria, sobretudo no que diz respeito ao campo de sua sexualidade, ao campo do desejo que, de uma forma ou de outra, sempre é sexual(ALBERTI, 1995, p. 34)
Nesse período ocorre o despertar das fantasias, que ficam adormecidas durante a latência e reaparecem na puberdade, provocando uma culpabilidade no sujeito. A ciência procura inscrever o fenômeno da adolescência, mas a psicanálise se distingue da ciência, pois tenta dar conta dos fatores que levam o sujeito a se identificar com a adolescência.
No início da adolescência, na puberdade, a sexualidade é auto-erótica, ou seja, o jovem está mais voltado para si mesmo, para o seu corpo. E o que prevalece aqui é a masturbação, que não vem acompanhada, necessariamente, de fantasias com um objeto sexual. É uma atividade importante, porque proporciona um conhecimento do corpo e das sensações que provêm dele e é também um ensaio para a futura sexualidade heterossexual. Entrar em contato com o corpo modificado é algo que quase sempre causa desconforto e estranheza.
Para a psicanálise de Freud e Lacan, o que interessa é saber em que medida a identificação do sujeito com a adolescência interage com o que Freud recuperou da foraclusão que a ciência exige: o desejo de cada sujeito singular.
Para Lacan, a separação passa a ser uma das vertentes que descrevem as relações do sujeito com o Outro, esse Outro pode ser a mãe. O Outro é o próprio inconsciente, o tesouro dos significantes, ou seja, aquilo que vai determinar o sujeito.
O Outro é aquilo que determina a interpretação dos seus sonhos, sintomas e atos falhos, aquilo que pensa no sujeito apesar dele, aquilo que pré-existe na cultura, no desejo da mãe, na estrutura da linguagem, em suma aquilo tudo que Freud descobriu e que faz parte do simbólico (ALBERTI, 1995, p.33)
Portanto o sujeito adolescente vai fazer a separação do Outro. A separação que o adolescente faz é um movimento de tentativa de libertação do Outro, tentativa, que só se concretiza, em casos extremos, no suicídio, pois fora isso o sujeito sempre, de uma forma ou de outra, é determinado pelo Outro, até mesmo no seu desejo mais íntimo, pois como define Lacan, todo desejo é desejo do Outro.
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Sônia. Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
FREUD, Sigmund. Um caso de histeria; Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996 329 p. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7)
SILVA, Alitta Guimarães Costa Reis Ribeiro da. Modalidades Relacionais e Utilização de Psicofármaco. Dissertação (Mestrado em Estudos Psicanalíticos) – FCM-UNICAMP. Campinas, 1988.
NOTAS DE RODAPÉ
[i] Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Inês Maria Seabra de Abreu.