Adriene Faria Passos Martins[i]
Este artigo objetiva subsidiar, teoricamente, as atividades socializantes presentes nas creches e a possibilidade das mesmas produzirem a modelação de novos padrões comportamentais, extinguindo “comportamentos problema”, apresentados pelas crianças na creche.
Com a prática de estágio, percebeu-se que há um deslocamento para as instituições da função de educadora. Nesse sentido, indaga-se até que ponto as atividades presentes nas creches podem contribuir não só para a modificação comportamental da criança como também ser fonte de auxílio para os pais ausentes e punitivos, que consideram a falta de tempo e de recursos financeiros como os causadores e mantenedores da agressividade e intolerância com seus filhos.
Bowlby(2000, citado por Regra, p. 158-159) salienta os determinantes da agressividade no âmbito familiar:
o “apego ansioso” nas famílias em que as trocas afetivas estão deterioradas e os pais não encontram nenhuma figura de apoio nas situações mais difíceis é apresentado como fator de manutenção dessas relações, e a dificuldade em lidar com o desamparo conduziria a respostas agressivas direcionadas aos membros da família.
O que ocorre quando esses pais ausentes são convocados a tomar frente do papel de educadores, que lhes é imposto, é a omissão e esquiva do confronto, com o objetivo de fugir da responsabilidade como pais.
Patterson(1995, citado por Regra, 2000, p. 165) salienta os estresses provenientes dessa relação inamistosa que surge:
as crianças anti-sociais têm pais com falta de habilidades no manejo familiar, que desencadeiam um processo que leva a criança a ser rejeitada pelos companheiros, ao fracasso escolar e a ter uma baixa auto-estima. … a idéia básica é ensinar a criança a interagir de acordo com uma classe de respostas de submissão como padrão adequado e levar a criança a aprender a se submeter a situações aversivas.
Skinner (1991, citado por Guilhard ,2000, p.1) descreve o papel dos sentimentos, na visão do behaviorismo radical, tirando deles qualquer função causal: “Comportamentos perturbados são causados por contingências de reforçamento perturbadoras, não por sentimentos ou estados da mente perturbadores, e nós podemos corrigir a perturbação corrigindo as contingências.”
Contudo pode-se afirmar que os comportamentos “problema” das crianças e a agressividade nos diversos ambientes que ela freqüenta são, na verdade, reflexo do padrão comportamental ensinado em casa e reforçado de alguma forma pelos pais e educadores. Diante disso, faz-se necessário que os pais dessas crianças se impliquem na educação de seus filhos, uma vez que a modelação intermitente proporciona à criança a possibilidade de discriminar em quais ambientes ela tem a possibilidade de comportar-se do seu modo. Por esse motivo, faz-se necessário a identificação da função do comportamento tido como inadequado,bem como o contexto em que ele ocorre, para que, a partir daí, se possa fazer a análise funcional do comportamento em questão, em outras palavras, descobrir o que a criança tem como reforço com tal comportamento.
Diante da problemática acima descrita, a teoria comportamental intervém com o objetivo de extinguir comportamentos indesejáveis e manter, no repertório comportamental, padrões desejáveis, atentando-se às conseqüências produzidas por tais comportamentos.
No estágio “Introdução à Clínica Comportamental com famílias e crianças”, a aluna pesquisadora pôde valer-se da análise funcional para detectar algumas das causas dos “comportamentos problema” identificados. Assim, utilizar-se-á um caso clínico de uma das crianças atendidas, a qual será identificada por E.
E. tem seis anos de idade. Por meio do atendimento e da entrevista com a mãe de E., ficou evidente o histórico passado de reforçamento de comportamentos indesejáveis. E., com um ano de idade, já teria sido expulso da escola que frequentava, porque mordia e batia em todos seus colegas, por esse histórico de indisciplina, desde os três anos de idade, E. foi indicado para tratamento psicológico.
A relação entre E. e sua mãe é amigável, mas sua mãe é muito permissiva, enquanto seus tios e demais familiares são severos ao extremo com a criança. A mãe de E. a trata como uma criança indefesa, segundo ela dói muito ver todos querendo bater no seu filho e interferir na sua educação. Fica claro que, diante dessa situação conflitante, E. aprendeu a discriminar que, na ausência da mãe, para esquivar-se das broncas e surras dos familiares, precisa se comportar bem, porém, na presença da mãe, para chamar a atenção, E. pode fazer suas travessuras, sendo consequenciado com a atenção da mãe e o estabelecimento de uma relação de trocas. O pai de E. é bastante enérgico e, segundo a própria mãe, ela omite do pai comportamentos inadequados do filho, já que tem medo que o pai dê-lhe surras exageradas. Diante desse histórico, a hipótese da aluna pesquisadora é de que, com a ausência do pai, a mãe tente recompensar a criança de forma errônea, foi confirmada.
A mãe relata que E. tem dificuldade para acompanhar sua turma e após a interrupção do atendimento psicológico, feito anteriormente, notou-se regresso no comportamento da criança.
A creche em que E. está atualmente tem grande dificuldade de lidar com a criança, alegando que E. só comporta-se adequadamente em atividades em que ele ocupa posição de liderança.
Nos atendimentos, trabalhou-se com E. utilizando recursos lúdicos, notou-se, com essa intervenção, dificuldades de lidar com regras, com o fracasso nas situações de jogo e baixa auto-estima. E. mostrava-se irritado e freqüentemente sentia a necessidade de mudar as regras, o que demonstra esta modelação passada de permissividade. A intervenção, por meio da descrição verbal de regras (comportamento governado por regras) e do contato com as contingências aversivas, produziu a ampliação do repertório comportamental de E., mostrando, sutilmente , por meio do brincar, que em todo ambiente é necessário lidar com as regras e respeitá-las. Diante disso, sua dificuldade de lidar com frustrações (perder em jogos, por exemplo), foi modelada gradualmente com derrotas e posteriormente vitórias, permitindo-lhe lidar melhor com esta contingência.
Contudo ficava nítido que a manutenção dos comportamentos modelados nos atendimentos não eram mantidos em outros contextos, o que dificultara o progresso e a manutenção de novos repertórios comportamentais de E.
Guilhard (2000), em “Terapia por Contingência de Reforçamento”[ii], salienta que a extinção de um comportamento inadequado é muito mais complexo do que uma simples punição: “O comportamento inadequado envolve uma gama ampla de desempenhos diferentes entre si, mas com a mesma função: compõem uma classe de comportamentos, não exemplos específicos e isolados de inadequações”. Assim, não é correto selecionar um membro da classe e punir apenas este comportamento. É necessário enfraquecer toda a classe, aplicando a mesma contingência a todos os membros da classe de comportamentos inadequados.
Conte (2000) retrata a técnica de abordagem do terapeuta na clínica comportamental infantil: o terapeuta deve avaliar o repertório geral de comportamentos do cliente e não deve restringir-se à queixa específica apresentada por ele. Em geral, os problemas (déficits, excessos) comportamentais são muito mais abrangentes do que a queixa. Com isso, fica evidente a necessidade da Terapia Comportamental Infantil (TCI) se estabelecer conforme Conte salienta, estendendo suas intervenções para o ambiente natural da criança, onde os comportamentos “problema” da criança emergirão mais espontaneamente, evitando os contra-controles.
Concluindo, a análise funcional, na teoria comportamental infantil, subsidiou a prática de estágio, ajudando a promover o crescimento pessoal tanto da aluna pesquisadora quanto da criança, o crescimento profissional da aluna pesquisadora, ainda que inacabados os atendimentos, vem produzindo pequenas mudanças no repertório comportamental das crianças atendidas, esperando-se que essa modelação se estenda em outros ambientes do convívio da criança.
REFERÊNCIAS
CONTE, Fátima Cristina de Souza Conte; REGRA, Jaíde A. Gomes. Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil. In: SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos(Org). A psicoterapia comportamental infantil: novos aspectos. São Paulo: Papirus, 2000.Vol. I cap. 4, p. 79-136.
GUILHARD, Hélio José. Análise Comportamental do Sentimento de Culpa. Terapia por Contingência de Reforçamento.2000. Disponível em: http://www.terapiaporcontingencias.com.br/pdf/helio/analise_comportamental_sentimento_culpa.PDF>. Acesso em: 26 de set. 2008.
GUILHARD, Hélio José. Punição não é castigo. Terapia por Contingência de Reforçamento.2000.Disponível em:< http://www.terapiaporcontingencias.com.br/ pdf/helio/Punicao.pdf>. Acesso em: 26 de set. 2008.
REGRA. Jaíde A. Gomes. A Agressividade Infantil. In: SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos(Org). A psicoterapia comportamental infantil: novos aspectos. São Paulo: Papirus, 2000. Vol. II. cap. 4, p. 79-136.
SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações. Tradução de Maria Amália Andery e Tereza Maria Sério. Campinas: Psy, 1995. 301 p.
Você precisa fazer / incluir a referência do Skinner que foi lido em Guilhard.
SKINNER, B.F. Questões Recentes na Análise Comportamental. São Paulo: Papirus: 1991
. apud GUILHARD, Hélio José. Punição não é castigo. Terapia por Contingência de Reforçamento.2000.Disponível em:< http://www.terapiaporcontingencias.com.br/ pdf/helio/Punicao.pdf>. Acesso em: 26 de set. 2008.
NOTAS DE RODAPÉ
[i] Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Gustavo Teixeira.
[ii] http://www.terapiaporcontingencias.com.br/ pdf/helio/Punicao.pdf