“O homem só consegue ser o que é impulsionado pela motivação de se fazer a si próprio”.
(Karl Jaspers)
Luciana Berlitz de Souza[i]
O objetivo deste artigo é mostrar, através de um caso clínico, que o sintoma é um desafio para o artesanal terapêutico, deflagrando a ânsia da medicina em “curar no momento”, mesmo frente a um sintoma de conversão histérica ou a uma fobia que não apresenta razão de ser.
O caso relatado a seguir foi atendido na clínica de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, durante estágio de psicanálise, com a orientação da professora Graciela Bessa.
Marcela[ii], 21 anos, chega à clínica com a seguinte queixa: “_ Tenho medo de tudo, às vezes sinto que alguém está me perseguindo ou que estão atrás de mim”. A paciente atualmente toma dois medicamentos (rivotril e sertralina), cuja receita foi indicada por um médico clínico geral, com o diagnóstico de Síndrome do Pânico.
Segundo Besset (2002), as manifestações de angústia apresentam-se sob uma nova roupagem: o pânico – fornecida pela classificação psiquiátrica atual. Para o discurso médico, que faz o diagnóstico de um sintoma, a angústia torna-se facilmente objeto de medicação. Nada, portanto, mais distante da proposta da psicanálise.
Vera Lopes Besset, em seu texto “A clínica da angústia faces do real”, diz que
a etiologia da angústia concebe-se, assim, como ligada ao impedimento do escoamento, seja de uma tensão física seja de uma energia psíquica, libido. O que, então, está em jogo no afeto da angústia é uma incapacidade do psiquismo em reagir, mediante ação adequada, ao estímulo, tanto exógeno, quanto endógeno. Desse modo, trata-se de o impedimento da estimulação sexual transformar-se em libido psíquica, com a conseqüente produção de um resto, que o sujeito experimenta como angústia. (BESSET, 2002, p.18)
Em uma das sessões, a paciente relata ter ficado ainda mais angustiada por ter “mexido” em tantas questões que já considerava resolvidas. Percebe-se que há uma ausência de simbolização marcando esse sujeito, ou seja, um desatrelamento no que concerne ao sentido, tal como o real lacaniano vai nos mostrar em suas concepções e que não pode ser aprendido no simbólico. Sendo assim, a angústia não apresenta “nada de patológico, apesar de trazer, para o sujeito que a experimenta, um sofrimento que pode adquirir proporção insuportável” (BESSET, 2002, p.19).
No decorrer das sessões, como no desenrolar de um novelo de lã, delicadamente, a paciente foi-se revelando. Como disse Freud, “se há angústia, tem de existir também algo em frente do qual alguém se angústia” (FREUD, 1916, apud BESSA, 2002, p. 21).
Nesse sentido, a angústia desse sujeito pode ser tomada como um sinal diante de um “perigo” determinado: o encontro com o desejo do Outro.
Marcela relata que a mãe quer que ela seja a filha “perfeita”, quando diz que “Fico dividida, entre o que minha mãe quer de mim, e o que eu quero”.
Pode-se dizer, a partir dos relatos da paciente, que este caso refere-se a um sujeito que se tornou o objeto para preencher a falta na mãe. Faz o sacrifício de sua própria castração para o Outro:
Seria a junção, a adição do que em cada lado se subtrai, anula a falta pelo sinal de positivo (+). É assim que a angústia não engana, ela é certeza, afirmação. Quando ela atua como sinal, avisa ao sujeito que é hora de recuar, correr em debandada. (LACAN,1960 apud BESSA, 2002, p.21).
Nesse caso, o sintoma é facilmente percebido como sendo subsidiário, uma pequena porção do vasto problema de um ser humano lutando para desenvolver-se e amadurecer apesar dos obstáculos. Portanto a psicanálise é um dos caminhos possíveis para o sujeito manifestar suas angústias e entrar em contato com si próprio.
Referência
BESSET, Vera Lopes (org). Angústia. São Paulo: Escuta, 2002.
FREUD, S. 25ª Conferencia. La angustia. Conferencias de introductión ao psicoanálisis (Parte III) (1916-17) In: BESSET, Vera Lopes (org). Angustia. São Paulo: Escuta, 2002.
LACAN, J. L’ angoisse dans son rapport au désir. Lê Séminaire. Livre VIII. Lê transfert (1960-1961). Paris: Seuil, 1991. In: BESSET, Vera Lopes (org). Angustia. São Paulo: Escuta, 2002.
NOTAS DE RODAPÉ
[i] Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa.
[ii] Nome fictício.